segunda-feira, 18 de abril de 2011

Edição nº58




Entrevista

Carlos Riley fala ao Fazendo sobre o Colóquio “Os Açores, a I Guerra Mundial e a República Portuguesa no Contexto Internacional” que decorreu no mês de Abril em três cidades açorianas

Porque é que este é um Colóquio Internacional?
O que lhe dá o epíteto de internacional é o facto de ter tido a participação de conferencistas estrangeiros. O colóquio é ainda internacional porque entendemos que uma das iniciativas produzidas pela Direcção Regional da Cultura no âmbito do Centenário da República devia de alguma forma procurar sublinhar qual tinha sido a dimensão internacional do papel do Arquipélago dos Açores no âmbito da Primeira República, ou seja, o que é que os Açores teriam acrescentado à política externa portuguesa da época, já que é por ocasião da I Grande Guerra que se dá a emergência daquilo que é justamente depois considerado a importância estratégica dos Açores no séc. XX. Quando se fala dos Açores e de Estratégia a maior parte das pessoas têm quase, desculpe-me a expressão, uma espécie de reflexo de Pavlov, é um reflexo imediato: fala-se logo da Base das Lages e da II Guerra Mundial. Ora de facto aquilo que é a pedra de toque, o que marca o início do que virá a ser o papel que os Açores desempenham depois por via da Base das Lages, acontece justamente durante a I Guerra Mundial.
A partir de finais de 1917/18, há a dita instalação de uma base anglo-americana que só é desfeita e desmantelada em inícios de 1919. Aquele conceito das chamadas facilidades militares que são concedidas pelo Governo da República Portuguesa aos americanos nos Açores, não é inaugurado nem começa na II Guerra Mundial, mas sim na I Guerra. Em virtude deste acontecimento e deste significado estratégico, achámos que tinha quase como um efeito pedagógico celebrarmos ou promovermos o colóquio. Chamámos-lhe internacional porque procurávamos vincar este papel dos Açores na política externa portuguesa da época. E portanto o colóquio é internacional não só pelo facto de ter conferencistas estrangeiros como por causa do facto de os Açores serem a grande carta de trunfo que o Governo da República Portuguesa tem no âmbito das negociações internacionais. Os Açores e também as Colónias, mas são sobretudo os Açores que fazem com que Portugal tenha uma relevância estratégica importante na política externa dessa altura.

Estes colóquios foram planeados para algum tipo de público específico?
Não havia nenhum segmento de público em particular. O Colóquio funciona em duas dimensões que eu já agora gostaria de apresentar: uma é o momento das conferências e das sessões do Colóquio propriamente ditas. São sempre abertas ao público, aparece quem quer e obviamente não cabe nunca aos organizadores e aos promotores da iniciativa, estarem, passe a expressão, praticamente a encostarem uma pistola às cabeças das pessoas para irem assistir. Mas por outro lado há um segundo momento que eu queria aqui vincar que é o seguinte: o Colóquio vai ser publicado em actas e portanto, independentemente da maior ou menor adesão do público em termos de assistência às sessões do colóquio (obviamente ficaríamos sempre contentíssimos se os auditórios tivessem enchentes), todo o contributo dos conferencistas e doutros participantes com comunicações vai ficar fixado e cristalizado num livro em papel. Dadas as características do colóquio, haverá gente que possa estar mais sensível a este tipo de coisas que aqui se fala, que serão, enfim, os estudantes universitários, os estudantes dos últimos anos do liceu, o público adulto e culto, em particular. Mas penso que a maneira mais correcta de responder à sua pergunta é com uma redundância: o público-alvo deste colóquio era o público.

O Colóquio aconteceu em três cidades açorianas. Em cada uma delas houve uma sessão de conferências, porquê a escolha de um painel diferente para cada ilha?
Como pode ver pelo programa do colóquio, cada um dos painéis abordava temas diferentes. O de Angra do Heroísmo centrou-se nas questões ligadas à I Guerra Mundial, o de Ponta Delgada, relacionou-se mais com o Regionalismo e com questões mais internas da sociedade açoriana: o que é que eram os Açores e a sociedade açoriana no período da Primeira República (de 1910 a 1926). E sobretudo o fenómeno político, cultural e social, da emergência do movimento regionalista, que se dá nos anos 20 e que tem uma expressão muito vincada em termos ideológicos e das suas manifestações em S. Miguel (embora também a tivesse noutras ilhas). Portanto pareceu-nos que, por uma questão de casting, este tema seria uma sessão mais indicada para Ponta Delgada. Por outro lado, tudo o que tivesse a ver com uma dimensão mais internacional, com o tema dos Açores no contexto da política externa portuguesa, faria mais sentido fazer aqui na Horta, pensando no ambiente muito cosmopolita, muito internacional que teve a ilha do Faial e a cidade da Horta no período da Primeira República em virtude da instalação dos Cabos Submarinos a que depois se sucede, embora já num período posterior, a amaragem dos Clippers nos finais da década de 30 e etc. A opção de se ter optado por uma estrutura tripolar advém da preocupação descentralizadora de procurar levar este colóquio ao maior número possível de pessoas.

A acompanhar a sessão do Colóquio na cidade da Horta, é inaugurada uma exposição intitulada Açores 1917/1918: Crónica de um ano americano. A ilha do Faial teve alguma relevância no decorrer dos acontecimentos que marcam esse ano?
Essa exposição é um encore, já tinha sido inaugurada aqui na Horta em Novembro de 2008. É uma iniciativa da Fundação Luso-Americana para o desenvolvimento e na altura foi feita na sequência de uma outra que a mesma Fundação promoveu no verão de 2008 em Ponta Delgada (o 1º Fórum Açoriano de Franklin Delano Roosevelt).
A exposição não só procura cobrir a passagem de Roosevelt aqui pelos Açores, numa viagem que ele fez a caminho da Europa no Verão de 1918, como sobretudo procura evidenciar aquilo que lhe falei há pouco e que era a instalação da base naval americana em Ponta Delgada. Dentro dessa exposição há um painel que fala do Faial em particular, porque embora a base naval não se tivesse instalado aqui, o primeiro ponto onde Roosevelt desembarca nos Açores é precisamente o porto da Horta e faz, a expressão é minha, um “roteiro sentimental” aqui pelas antigas casas dos Dabney: a Bagatelle, os Cedars...
Os Delano’s, a sua família materna, eram uma família americana estabelecida em New Bedford, que era um importante porto baleeiro. E Roosevelt, na sua infância, ia sempre passar as férias grandes do verão a casa dos avós maternos em New Bedford e portanto ele cresce também num ambiente de um porto baleeiro. É curioso que ele quando passa depois aqui pela Horta escreve uma carta à sua mulher, Eleanor Roosevelt, em que se confessa encantado. Ele diz “isto é muito curioso, é extraordinário, está a trazer-me recordações, parece uma cidade baleeira na América do norte”. E ele também tinha a noção de quem eram os Dabney, porque os Dabney são uma família do patriciado da zona da Nova Inglaterra, e portanto analisando o texto da carta, chegamos à conclusão que de alguma forma, ao visitar aqui a Horta, ele encontra coisas com as quais já estava familiarizado.

Qual é o balanço final que faz destas três sessões?
Não foi possível assistir às sessões de trabalho de ontem, por causa das condições meteorológicas, mas assisti às outras sessões e faço um balanço extremamente positivo. As comunicações e as participações foram de grande qualidade e sobretudo trouxeram um contributo historiograficamente original em relação a um período da história sobre a qual pouco se sabe. O primeiro quartel do Séc. XX; estes primeiros 25 anos, não têm sido muito estudados. E muito menos tem havido um contributo historiográfico estrangeiro. Se eu passar em revista todas as comunicações nas diversas secções e nas diversas sessões de trabalho do Colóquio acho francamente que no final e sobretudo quando o Colóquio tiver as suas actas publicadas em livro, o saldo é bastante positivo. Passe o auto-elogio à organização e à Direcção Regional da Cultura que teve a ideia de promover esta iniciativa. De facto estamos todos de parabéns porque podemos dizer com a consciência perfeitamente tranquila que contribuímos para acrescentar mais conhecimento ao estudo do que foram os açores no inicio do Séc. XX.

Colaboradores:


Capa: Gaspar Pedro
Música: Miguel Machete
Arquitectura e Artes Plásticas: Joana Soares
Literatura: Lélia Nunes
Entrevista: Maria do Céu Brito
Ciência: PNF
Gatafunhos: Tomás Melo

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