sexta-feira, 29 de maio de 2009

FAZENDOBarulho #2



No seguimento da primeira ediçãodo FAZENDObarulho a Associação Cultural Fazendo planeou um novo evento com um sentido de continuidade em relação à estreia mas aumentando a aposta ao nível da programação. Uma vez que o segundo número desta rúbrica terá lugar na véspera do feriado do dia de Portugal e das Comunidades pretendeu-se criar uma festa de celebração das culturas da lusofonia, mais concretamente das ligadas ao continente Africano.
Assim o FAZENDObarulho#2 abrirá com um concerto de música cabo-verdiana por Alexandre Delgado, músico residente no Faial que no ano passado lançou o seu disco de estreia “M’ninha de S. Nicolau”. Este disco contou com a produção de Humberto Ramos, director musical ligado a artistas como Cesária Évora, Dany Silva, Tito Silva ou Maria Alice. Alexandre Delgado será acompahando por Zeca Sousa, Chico Andrade e Vìtor Lopes. A continuação da noite ficará a cargo de João Gomes, músico dos Cool Hipnoise e Spaceboys, com um DJ set que deverá passar por diversos espectros da música negra (afro-beat, funk, semba, kuduru, reaggae). No vídeo vai-se contar com uma batalha em tempo real entre os VJ’s Rui Branco e Aurora Ribeiro.

9 de Junho

23h00 Alexandre Delgado.concerto 

24h00 João Gomes (Cool Hipnoise).dj set 

           VJ’S Rui Branco vs. IlhasCook


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Edição nº18



O que é ser Faialense?

Pergunto-me. Eu, Fausto, filho de picarotos nascido no Porto, infância e juventude vividas no Faial e que agora, passados alguns anos, regresso.

Ser algo é sê-lo dos pés à cabeça. Os pés caminham sobre um chão, e a cabeça sob os ideais que gerem o espírito humano – a sua cultura.
Ser faialense é, em primeiro lugar, habitar um pedaço de pedra que brotou violentamente do mar hà 800 mil anos e que durante 200 mil anos foi forjado pela força ardente do centro da Terra. Esta é a força primordial. E ela está hoje aqui, e quando quer, chega e altera tudo. Da pedra veio a terra, e da terra as plantas e os animais. Depois são 500 anos de povoamento pelo homem. São séculos de sangue do povo lusitano sobre o chão desta ilha. E este sangue está aqui nas veias e comportamentos dos homens e mulheres que a habitam.

À procura de casa. Tanto dinheiro me pedem por um sítio onde viver. Pergunto-me: como sobrevivem as famílas quando todos os bens são tão caros e o que recebem é tão pouco. A ganância descontrolada faz décadas que passou a gerir as relações sociais. Há sítios - aqui bem perto - em que ainda dizem: se fores honesto, um arranja-te umas batatas, o outro uns ovos ou um pão de milho e vivendo e dançando aqui connosco não irás morrer à fome. Mas está a desaparecer este espírito de vida e verdadeira bondade.

Esta é uma terra fértil onde nasce tudo o que se semeia. Era uma terra onde se cultivava tudo o que era preciso para comer muito e bem. Mas a ilha foi convertida em pasto para vacas e a comida industrial de má qualidade substituiu a produção local. Agora o Faial está a ser convertido em pasto para turistas imaginários.
A Horta – que nome tão significativo – uma cidade de sonho, verdadeiramente de sonho, mas que vai sendo lentamente invadida pelo betão até ao golpe mais rude que já a espera – o tal porto que já fez chorar os habitantes que nada fizeram da ilha Terceira e da ilha de São Miguel. Ilusões vendidas em prol do dinheiro perante um povo sem reacção que ainda vai acreditando na lenga-lenga do desenvolvimento e do turismo salvador. Quando ironicamente quem nos vem visitar quer escapar precisamente aos portos de betão e metal, procurando a avenida mais bonita do mundo com vista para a imponente montanha e a praia da Conceição para nadar e ver o Pico, e não o paquete que lhes polui a água. Quer fugir às centenas de parques eólicos do seu país, apenas para esbarrar com um em Pedro Miguel (e em breve, se nada fôr feito, mais um para o lado Norte). Quer fugir também ao barulho das máquinas de aspirar os passeios da cidade onde se despeja herbicida e lixo. Querem ver fontanários antigos com água de fonte, querem estar longe de fontes de radiação em massa como antenas de telemóveis e sistemas wireless (em Almoxarife encontramos um num parque infantil). Querem ver a Natureza em bruto, na sua beleza e riqueza em vez de centros de interpretação, centros de tédio informático e aquários virtuais. Eles não querem isto durante um mês e nós queremos durante todo o ano? Para sempre? Estes visitantes, a quem foi vendida uma imagem de harmonia natural, não irão voltar e os faialenses irão ficar com a sua bela cidade cada vez mais cinzenta, artificial e triste.

A nossa cultura é a nossa terra. Os nossos instrumentos, a nossa chuva que nos dá água, a nossa chamarrita que nos une em roda, o nosso pão, o nosso milho, os nossos chapéus de palha, as nossas rendas e bordados, as nossas almarras, a nossa calma, o nosso silêncio, os nossos animais, as nossas terras, a nossa amizade, a nossa cultura.
“O verbo «cólere», de que deriva «cultura», exprime a idéia de «amanhar, cuidar, revolver» a terra, fertilizando-a e semeando a boa semente para que produza mais e melhor. Reporta-se pois, originariamente, ao trabalho agrícola, compreendendo tanto o cultivo do solo, quanto o cultivo dos vegetais no solo. Com o correr do tempo, o verbo «cólere», veio adquirindo outros sentidos. Às vezes significa «habitar», como a dizer que aquele que trata a terra é o que nela habita. O homem, utilizando-se dos recursos das florestas, constrói sua moradia para nela habitar. Outras vezes significa «venerar e honrar» os deuses e os amigos, equivale dizer, cultivar e dispensar especiais cuidados aos deuses para que sejam propícios no cultivo da terra; e aos amigos, os companheiros no mesmo labor. Mais tarde, sobretudo em Cícero, recebeu o sentido figurado do «trato e aprimoramento do espírito». Neste caso, o verbo «cólere» vinha sempre acompanhado do termo «animus»: cultura animi. O homem que cultiva a natureza, cultiva também a sua própria natureza. Era assim sinónimo de educação, no sentido de aprimoramento do espírito. ”

Viver no Faial e ser faialense ainda pode ser um sonho. Ou seja, a realidade de uma vida de alegria, de bem-estar, de força, de verde e de mar num pequeno paraíso da Terra.


Fausto Cardoso


Colaboradores:

Ilustração: Maria Inês Cunha
Crónica: Fausto Cardoso
Chegadas: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Teatro: Grupo de Teatro "Mensagem"
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Pedro Mota
Literatura: Ilídia Quadrado e Rita Braga
Ambiente: Dina Dowling


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quinta-feira, 14 de maio de 2009

FAZENDOtertúlia #2


Literatura e Jazz

No próximo dia 19, terça-feira, realizar-se-á a segunda tertúlia organizada pelo jornal Fazendo. Aproveita-se a passagem pela ilha do pintor/escritor Miguel Horta que virá apresentar os seus livros e manter um conversa informal com quem quiser passar pela C.A.S.A. a partir das 21h00. De seguida as lides ficarão a cargo da guitarra de Zeca Sousa e do seu trio de Jazz com Pedro Gaspar (contrabaixo) e Nélson Raposo (bateria).
Miguel Horta tem formação em pintura e é essencialmente no domínio das artes plásticas que mais trabalhos apresenta, sendo o seu percurso expositivo pontuado por presenças regulares em Portugal e na Europa. Na mediação cultural encontrou uma excelente ferramenta para a comunicação de ideias tendo já corrido o país de lés a lés com projectos na área da Promoção do Livro e da Leitura e da Educação pela Arte. Como escritor é responsável por duas publicações na área da literatura infanto-juvenil: Pinok e Baleote e Dacoli e Dacolá. O primeiro tem lugar no arquipélago de Cabo Verde e trata da história de um rapaz crioulo com fama de mentiroso, o segundo é composto por sete histórias sobre vários temas sendo todas passadas em Portugal. Estes livros, dos quais o autor é também ilustrador, serão o ponto de partida para a conversa de dia 19.
Uma vez que nessa noite não haverá cinema convidamos todos a deslocarem-se à C.A.S.A. e a participar neste serão que se quer agradável e descontraído.

A Direcção

Edição nº17


Pequenas arquitecturas esculpidas na rocha

Volker Schnüttgen esteve na Horta para a desmontagem da sua exposição Padrões do Mar, que nos últimos meses abriu janelas na Praça do Infante. Uma das quatro obras que compunham a exposição foi comprada pelo Município da Horta. E naquele jardim continua o seu diálogo com a paisagem envolvente, objectivo principal deste artista que nasceu na Alemanha, onde há pouca pedra e por isso escolheu Portugal para viver e esculpir.

Estas esculturas foram feitas para um local específico?
Elas foram feitas para um lugar na costa, isso sim. Originalmente eu tinha um projecto que era no Cabo de Sagres, na fortaleza, para fazer uma exposição com os padrões do mar. Comecei a fazer estas quatro peças e mais uma ou outra, mas o projecto nunca foi realizado. O IPAR não teve dinheiro, complicou e então ficou sem efeito. E como se trata de um espaço muito complexo, porque o Cabo de Sagres é muito histórico, muito visitado e há muitos interesses, acabou por ser cancelado. E eu fiquei com as quatro peças, muito triste, porque apesar de terem estado noutras exposições, nunca estiveram no local adequado. Tive a oportunidade de participar num projecto na Terceira e Graciosa e pus lá estas quatro peças pela primeira vez, sempre em sítios como este, perto do mar, perto da costa.

Segundo o catálogo, esta exposição vai ser exibida noutros locais e alguns deles ficam longe da costa. Como pensa enquadrá-los? Talvez na paisagem alentejana?
Sim, vão ficar de novo Padrões do Mar sem mar, e em alguns locais vão mesmo ser integradas em sítios urbanos. Mas o meu grande interesse é colocar sempre as esculturas em contexto com a paisagem.

Nesse sentido, como foi a escolha do Largo do Infante, como local de exposição para as obras?
Bom, eu recebi o convite do Museu da Horta para fazer esta exposição de quatro peças na rua. Já conhecia o Faial mas não me lembrava assim tão bem de todos os sítios. Também podia ter imaginado colocar as peças numa falésia, mas seria mais complicado ter público. E achei bonito o jardim com a fortaleza ao lado. Estas formas escultóricas têm muito a ver com fortalezas e castelos. Aqui temos de um lado o mar, do outro a fortaleza, o jardim também é bonito, e ainda esta vista fabulosa do Pico, sobretudo a que se tem do local da escultura que foi comprada.

Está muito presente esta ideia de moldura e de escadas, de passagem ou de entrada para a paisagem...
Sim, na maior parte houve essa preocupação. Por exemplo aquela escultura que estava mais do lado de lá (norte), que tinha aquela escada para baixo, estava pensada para um lugar em Sagres, onde ficaria mesmo na falésia, com a escada que depois daria continuação até ao mar. Aqui a peça não funcionou assim, funcionou só por si porque não tinha o contexto que estava planeado. Numa exposição temporária é sempre mais difícil encontrar os locais ideais.

E as esculturas que estiveram na sala de exposições da Biblioteca Pública (exposição O Avolumar do Habitat - esteve patente em conjunto com os Padrões do Mar de 8 de Janeiro a 28 de Fevereiro), em madeira, têm alguma ligação com estas esculturas de exterior?
Aquele grupo de esculturas têm uma linguagem parecida, porque a mim me interessa muito a escultura arquitectónica: estes cortes rigorosos, o contraste com a forma orgânica do tronco. E são puzzles, tal como as peças de granito que também são cortadas e depois reencaixadas. A escultura que está na capa do catálogo é feita de três blocos que vieram de um tronco e que virtualmente se conseguem encaixar novamente.

De que madeira se trata?
É choupo, uma madeira bastante macia e fresca, um pouco como o eucalipto, mas com um acabamento bonito.

Como foi a organização deste projecto?
Foi organizado pelo Museu Jorge Vieira, em Beja, cujo director artístico é o Rui Pereira. Foi ele quem escreveu o texto do catálogo. O Jorge Vieira, que já morreu, foi o escultor mais importante do modernismo português. O Museu costuma organizar exposições de escultura que depois leva a outras câmaras, sobretudo do Alentejo. Têm também criado parcerias com a Horta e penso que também com a Terceira. Fazem muito este tipo de intercâmbios.

Quais são os seus critérios na escolha dos materiais com que trabalha?
Eu gosto muito dos materiais pesados, clássicos da escultura: a madeira, a pedra, o ferro, mas também já tenho utilizado nos últimos anos a implantação de meios multimédia na escultura, com monitores vídeo. Foi um projecto muito interessante que criei com um grupo de dança, uma bailarina, um coreógrafo e um músico. Fizemos uma performance que foi projectada em tempo real dentro das esculturas, que são parecidas com estas de madeira e depois implantei o monitor nas aberturas. Foi uma experiência nova muito interessante porque aqueles troncos com que trabalhei, deixei-os bastante em bruto, estes são mais acabados, aqueles foram modelados só com a moto-serra e resultou num contraste muito interessante com o vídeo. Em vez de criar uma coisa harmoniosa, tinha um contraste, que também funcionou, curiosamente.

Quanto tempo demora fazer uma escultura destas dimensões?
É sempre difícil dizer porque elas passam por várias fases. A primeira fase é sempre a de ter a ideia, e pelo menos quando são deste tamanho ou maiores, faz-se uma maquete ou desenhos e muitas vezes também o faço virtualmente, em 3D studio-max. Essa é a primeira fase. Depois é escolher os blocos mesmo, de pedra. E eu gosto muito de trabalhar nas pedreiras. A pedra da escultura que fica cá é do Alentejo, as outras três eram de Monchique. Eu gosto muito de ir às pedreiras e partir os blocos no local. Estes cortes aqui (os mais rigorosos) são feitos com máquinas industriais, são máquinas de fio. Outra fase é encontrar fábricas industriais que façam este tipo de corte e depois na última fase faço os acabamentos, já no atelier e que, muitas vezes, são feitos à mão.

Como esta textura exterior?
Não, é por isso que eu gosto de ir às pedreiras, porque isso é o resultado de técnicas de corte antigos, com cunhas, e os blocos saem assim, ficam até com pequenas marcas, que são buracos feitos com ponteiro à mão, depois levam umas cunhas em ferro, em aço, e parte-se a pedra. Eu aproveito já estas faces assim naturais. Essa é a razão de gostar de estar mesmo na pedreira, para controlar a extracção e a forma do bloco logo desde o início.

Algumas esculturas têm a particularidade de não mostrar onde encaixam, é preciso procurar bem...
A fixação... Pois, esta era um bloco, e eu cortei-a em dois e depois fiz uma fixação e juntei a pedra na posição original, fica com esta distância (um ou dois centímetros, que fazem com que a pedra de cima pareça levitar) que é a distância real original, o que falta é resultado do corte do fio, é material gasto. Depois levou quatro espigões em inox para manter as pedras com essa distância.

Está a trabalhar noutros projectos?
Fiz agora uma escultura em granito para um empresário em Braga, que também é um pórtico, muito grande. E estou a preparar dois simpósios, um em Felgueiras, que tem um tema um pouco complicado: "S. Paulo". Fez agora dois mil anos do seu nascimento e a Igreja Católica fez o ano das comemorações de S. Paulo: houve uma parte científica e histórica sobre o assunto e em Felgueiras organizaram um simpósio de escultura sobre este tema. É interessante mas não é propriamente fácil transformar isso em escultura. Também não quis entrar num figurativo tradicional de como foi S. Paulo. Por isso estudei um pouco o tema, ele foi muito importante a espalhar o cristianismo fora do mundo judaico, portanto foi o primeiro a evangelizar o resto do mundo. Ele, que tinha sido um grande defensor da ideologia antiga, converteu-se e foi tão radical e fundamentalista quanto antes o tinha sido pelo judaísmo. Como ele tem estas influências do velho e do novo testamento, fiz um livro partido ao meio, onde vai levar um vidro que é o corte na vida dele e também o corte entre o mundo judaico e o mundo cristão. E o outro simpósio, é em Vila Nova de Gaia, onde vou fazer uma peça um pouco parecida com estas, em mármore. Lá cada escultor tem 3 blocos de 1 x 1 x 1m, e essas limitações é que fazem o tema do simpósio. Por isso vai resultar numa escultura um pouco maior, com encaixes também ...

Em Portugal há boa pedra?Sim, foi a razão da minha vinda para cá, vim através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, num desses intercâmbios académicos. Na Alemanha temos muito pouca pedra, eu conheci artistas em Lisboa e escolhi um sítio, Pêro Pinheiro, perto de Sintra, que tem um centro de transformação do mármore e continuo a ter lá o atelier. Tenho todas as infra-estruturas, estou perto da capital, Lisboa, que é uma cidade da qual gosto muito... a princípio a ideia era ficar só um ano e depois vir de vez em quando só fazer alguns projectos, mas acabei por ficar cá. É viciante... Estou cá há quase 18 anos. E aqui este sítio é ainda mais viciante. Se pudesse viver do meu trabalho aqui, se calhar vivia nos Açores.

 O meu trabalho escultórico dos últimos anos está caracterizado por uma geometria simples mas com rigor e um alto grau de abstracção. Os temas iconográficos são pórticos, estelas com aberturas como janelas, são padrões de granito, pequenas arquitecturas esculpidas na rocha.


Aurora Ribeiro



Colaboradores:

Ilustração: Margarida de Bem Madruga
Entrevista: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Música: Pedro Nuvem
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Graça Tomé
Literatura: Flávio Gonçalves e Ilídia Quadrado
Ambiente: Dina Dowling


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