quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Edição nº 28



Crónica

Íntimos Paraísos Feitos de Papel


“O que na vida perco, em tinta o acho”
Vitorino Nemésio, Andamento Holandês

Escrever sobre “Literatura Açoriana” - tema proposto - não é fácil. Primeiro é preciso provar a sua existência e esta é uma questão que vem sendo debatida ainda eu comia chupa-chupas em público sem que ninguém olhasse para mim de lado. Porque é que é tão difícil provar que existe uma “Literatura Açoriana”? Porque teria de ser intrinsecamente diferente da Portuguesa o que implicaria, desde já, uma Cultura Açoriana distinta da Cultura Portuguesa que se expressasse em Literatura. Ora, admitir a especificidade de uma Cultura é algo cujas implicações não cabem aqui… Vamos elegantemente saltar por cima do conceito hipertrófico de Cultura, admitir que a Açorianidade existe e que a sua especificidade está reflectida na Arte que os Açorianos escrevinham. Como é que a Literatura expressa a Açorianidade? Um falecido Professor de Mestrado meu, Martins Garcia, dedicou a sua vida a estudá-lo e, lendo as suas conclusões, quase apetece dizer “A Literatura Açoriana é um poço de indefinições! Todos ao psiquiatra, de imediato!”.


Tomemos como exemplo Roberto de Mesquita e já vão ver porquê – poeta nascido em 1871 nas Flores, de onde só saíu para uma viagem ao Continente, e cujos escritos já Nemésio considerava “ o melhor exemplo do perfil difuso (…) da Açorianidade”. Este adjectivo é importante, como as brumas. Certo é que R.M. tinha uns traços afrancesados simbolistas porque lia Baudelaire, Verlaine e essa malta, mas distinguia-se deles pelo seu “sentimento de solidão atlântica” que é, afinal, a condição humana dos açorianos, ilhéus no meio do grande mar. Dizer só isto é pouco, pois não faltam ilhéus por esse mundo fora (e alguns dividem o Atlântico connosco), portanto não sejamos arrogantes. Porque é que estarmos insulados nos faz tão diferentes? Porque o Açoriano não está insulado. Ele é insulado. Parêntesis para dizer que, deste modo, a Literatura Açoriana adquire uma geografia muito mais ampla: o Açoriano leva a Ilha para onde quer que vá – arquétipo mítico da Ilha Perdida que já só dentre dele existe, arca de onde se retira material para muita literatura e tema de uma perturbação mutiladora vulgarmente conhecida como “Síndroma de Ulisses” (que não é só açoriano e nada tem de mítico, infelizmente).


Voltemos um pouco atrás – ao ser-ilha. É notória a influência dos elementos naturais na psique do Açoriano. Na Literatura Açoriana, a ambiência natural aparece como parte íntrinseca do sujeito,quase deixando de haver distinção entre a objectividade da Natureza e a subjectividade do poeta. O clima como definidor da anima é uma noção tão verdadeira quanto terrível pois o clima açoriano é de mormaço, de humidade abafada, propensa a muito pensamento e a “ilimitação parada “ de “ilhas acobardadas em neblina”, como se lê no Mau Tempo no Canal – livro extraordinário para avaliar da cobardia e dos repentes de coragem, conforme o Pico tem nuvens ou não…


Este mesmo livro define muito bem a “clausura insular”, a noção de ilha como prisão, o que é compreensível para qualquer não-ilhéu. O que já é mais difícil de explicar é porque é que os Açorianos são tão paradoxais que encaram a Ilha tanto como prisão quanto a vêem como miragem de total liberdade, por oposição às grandes capitais (restos de ideias de Rousseau?). Dividem-na em duas ilhas perfeitamente antagónicas e carregam ambas, coexistentes, sendo a “Ilha escravizante” mais forte quando lá habitam e a “Ilha sedutora” mais forte quando dela estão apartados. Porque a Ilha é como uma sereia: canta muito bem até nos agarrar.


Isto leva-nos ao grande tema da Literatura Açoriana: a viagem. Como não, com tanto mar? Mas, novamente, o Açoriano hesita, interroga-se, não se decide de uma só vez. Está encantado com a visão atlântica e deleita-se a imaginar as vivências que teria nos mundos para além mas igualmente tem um certo gosto em deixar-se ficar no seu canto conhecido, no encanto dos cheiros da terra de sempre. A maior parte acaba por recalcar o sonho da distância em amargura, levando o dia-a-dia num “viver quietista”. Outros há que partem, o que é sempre encarado como uma transgressão. E há, ainda, a transgressão suprema, a daquela personagem fabulosa chamada “o torna-viagem”, o que partiu e voltou, a mais solitária de todas as figuras porque não tem lugar a não ser como contador de histórias.


Claro que não é possível resumir as características da Literatura Açoriana numa opinião de meia-folha. Direi, como já outros disseram, que ela é “solidão, cárcere, infinito e fuga”. Acrescento, também, que não se pode falar dela sem falar de emigração, uma emigração sem lugar de chegada, mas apenas com lugar de partida: a Ilha Açoriana é íntima, para além de física – depois da evasão, estilhaça-se, parte-se num indivíduo também ele próprio fragmentado pelas circunstâncias de dois mundos, mas continua a existir.


Quanto ao mais, seria interessante (num artigo mais longo), verificar a incidência de tantas mulheres-anjos e outras tantas mulheres-demónios na Literatura Açoriana. De facto, somos mal amadas porque somos sagazes Circes ou, pelo contrário, mitificadas de tal modo que de símbolos não passamos… Pois, não sei se cheguei a mencionar que a Literatura Açoriana não é um caso de Teoria da Literatura – é um caso de Psicologia.


Felizmente, nalgumas linhas, nalgumas páginas é tão bonita que vale todo o tempo que lhe dedicamos. São íntimos paraísos feitos de papel.

Carla Cook




Colaboradores:

Fotografia da Capa: Tomás Silva
Crónica: Carla Cook
Cinema: Aurora Ribeiro
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Tomás Silva
Literatura: Ilídia Quadrado


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sábado, 28 de novembro de 2009

Edição nº 27


Crónica

Impressões do Faial

Como dizia a minha mulher: "Cala-te! Não és parâmetro de nada!"

Assim o meu critério, o meu comentário sobre a cultura do Faial será necessariamente subjectivo, parcial, insuficiente, estrangeiro, digamos.O que mais me surpreendeu, ao chegar, foi a enorme diversidade, a abundância de oferta. Os faialenses gozam de uma riqueza cultural abundante e até redundante face à sua capacidade de absorção. De todos os modos a cultura inclui um vasto segmento do universo da manifestação humana e é difícil que um indivíduo alcance todo o seu espectro.Cinema, teatro, pintura, música, ciência, tradições, literatura. Não tem o dia alcance suficiente para absorver a totalidade do que se produz, do que se exibe e do que acontece. O Faial é rico, não só pela sua ampla gama de manifestações culturais, como também pelo impulso dado por algumas pessoas a partir dos diversos organismos oficiais, privados, e até a partir de manifestações individuais. Impulso este que é necessário valorizar, aproveitar e promover, para que não se perca como água em areia.


Além do mais, o contexto social, com gente de todo o mundo e influência de outras culturas, é rico por si só. Os açorianos retornados dos E.U.A., Canadá, Brasil, África e outros lugares já não vivem só a atmosfera portuguesa como trouxeram consigo outros aromas, outros modos, outra maneira de ver.


Também os estrangeiros que, encantados pela ilha, se deixam ficar por algum tempo ou decidem nela fazer a sua morada permanente, contribuem para este caldo espesso, rico, da cultura. Caso assim não fosse, seria suficiente a extensa cultura portuguesa, as tradições, as sopas do Espírito Santo, as procissões religiosas, os desfiles de motos, a vida social própria, tão ligada aos estreitos laços familiares, a curiosidade e o desejo de aprender, para manter uma dinâmica activa e variada.


Há dinheiro no Faial, há uma abundância de meios própria dos países europeus que surpreende qualquer sul-americano, africano ou terceiro-mundista. Desde o Museu da Horta, a Direcção Regional da Cultura, a Universidade, o DOP, a Biblioteca, as várias publicações, diários, revistas, o Fazendo!, cria-se uma activa gama de manifestações culturais que bastam para cobrir amplamente as necessidades a este nível. Há no entanto sempre espaço para cobrir alguns segmentos menos desenvolvidos.


É muito bom ver como diariamente aparecem exposições,peças de teatro, projectos cinematográficos, livros, concertos, e também desportos, investigação científica, conferências sobre os mais variados temas, cursos de quanto é possível imaginar, quase tudo gratuito ou a baixo custo; há realmente uma efervescência, uma abundância e uma diversidade quase irresistíveis.


É claro que para uma população relativamente reduzida, o número de participantes em cada actividade tem que ser pequeno. É também claro que o interesse de cada um, individualmente, pode ser ampliado e enriquecido com novos horizontes. A tendência para a passividade do homem deve ser removida para que possamos desenvolver outros campos que não os estritamente profissionais ou utilitários. Somos homens (em sentido genérico) e temos uma capacidade de absorção, de compreensão e de acção sempre maior do que aquela que exercemos. Este é um ponto a impulsionar; desde a educação e desde o exemplo.


Interessar-se é o primeiro passo, partilhar e suscitar o interesse dos outros, a necessária continuação. No mundo e na história da cultura humana sempre se verificou que uns poucos criam, descobrem e impulsionam o desenvolvimento, sendo esta a responsabilidade de cada um: dar o melhor de si para contribuir para o desenvolvimento social. Desde o agricultor que descobre um novo método de ordenhar as vacas ao médico que desenvolve uma vacina, desde o actor que interpreta uma obra ao comerciante que importa um produto diferente, todo o esforço criativo é uma semente que pode crescer em solo fértil: é necessário que nos façamos perceptivos, abertos, atentos, para não desperdiçar os imensos dotes que continuamente fluem junto a nós.


A Horta vive sob um fluxo de enorme riqueza cultural, é necessário apreendê-lo desde o individual e expandi-lo para o social.Poderia encher duas folhas nomeando as gentes, os grupos, as instituições que continuamente contribuem para a riqueza do Faial. Parece-me melhor que cada um faça a sua própria contabilidade, o seu próprio balanço para que se compreenda melhor a enorme extensão daquilo que é feito. Uma sociedade em que jovens e velhos, homens, mulheres e crianças têm uma ampla possibilidade de escolha cultural, deve ser aproveitada.

Pedro Solá




Colaboradores:

Fotografia da Capa: Albino
Crónica: Pedro Solá
Mini-entrevista: Aurora Ribeiro
Cinema: Aurora Ribeiro, Renata Lima
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: Victor Rui Dores


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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Tertúlia do Mar - Dia Nacional do Mar



A Associação Cultural Fazendo em parceria com a Ecoteca do Faial e o Gabinete para os Assuntos do Mar organizará uma tertúlia no próximo dia 16 de Novembro, Dia Nacional do Mar. Esta tertúlia, que terá lugar no Clube Naval da Horta, às 18h00 do dia 16, ocorre no âmbito do Fórum Permanente para os Assuntos do Mar, uma plataforma insititucional que pretende excitar, na sociedade civil, a discussão e o desenvolvimento de acções relacionadas com o mar. A discussão será moderada pelo Prof. VÍtor Rui Dores e contará com representantes da Secretaria Regional do Ambiente, D.O.P., Clube Naval da Horta, antiga Indústria Baleeira, actividades piscatórias e marítimo-turísticas, Museu da Horta e actividades de consultoria marinha assim como a participação da população em geral.

O Fórum Permanente para os Assuntos do Mar (FPAM) é um mecanismo institucional de nova geração com carácter necessariamente experimental, visando ser uma voz credível da sociedade civil sobre Assuntos do Mar. Com enquadramento na Estratégia Nacional para o Mar - documento que adopta uma política integrada e abrangente na governação de todos os assuntos do mar - reflecte a importância atribuída ao diálogo como elemento de referência para o sucesso deste projecto nacional. O Fórum pretende estimular a troca de informação e a promoção de acções relacionadas com o Mar, numa perspectiva abrangente. Procura-se, desta forma, que o FPAM constitua uma plataforma informal entre o governo, a sociedade civil e os parceiros sociais, numa perspectiva de responsabilidade partilhada. É igualmente objectivo do FPAM estimular a recolha, troca e disponibilização de informação, com vista a implementar um sistema de gestão de apoio às actividades do Fórum, bem como servir os parceiros sociais neste domínio.

No âmbito do FPAM está prevista a criação de grupos de trabalho temáticos e de núcleos/redes, nomeadamente nas Regiões Autónomas dos Açores (RAA) e da Madeira, que são considerados elementos para o desenvolvimento a nível nacional das funções atribuídas ao FPAM, à escala nacional. De facto, durante a Semana do Mar de 2008 foi realizada, na cidade da Horta, uma Reunião dos Membros da RAA, que contribuiu para a dinamização do Núcleo/Rede e para o envolvimento da Região nas actividades do Fórum.

Edição nº26


Crónica

A relevância do Mar

Dentro de alguns dias comemora-se em Portugal o Dia Nacional do Mar. Para além da tradicional evocação de um passado glorioso, as comemorações dos tempos de hoje passaram a estar viradas essencialmente para o futuro. Uma das causas principais para essa mudança de sentido foi exactamente a sensibilização da opinião pública portuguesa decorrente da Exposição Mundial de Lisboa “Os Oceanos – Um património para o futuro da humanidade” realizada em 1998. Poucos anos depois, em 12 de Dezembro de 2006, o governo português elaborava a Estratégia Nacional para o Mar (ENM), que reconhece o mar como um dos principais factores de desenvolvimento do País, se devidamente explorado e salvaguardado, e relevando o facto de Portugal dispor da maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da União Europeia e de uma Plataforma Continental em vias de alargamento. Entretanto, na “Introdução” à referida ENM é salientado que as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores apresentam importantes mais-valias estratégicas e potencial desenvolvimento de actividades económicas relacionadas com o mar.


Ora, neste contexto, parece oportuno referir que entre as mais-valias dos Açores, as da ilha do Faial se apresentam particularmente relevantes. Com efeito, a própria história da ilha acaba por resultar da dupla vantagem oferecida por uma ampla e abrigada baía colocada estrategicamente no meio do Atlântico Norte.


Assim, já nos séculos XVI e XVII foi importante o papel do porto da Horta no apoio às frotas da Índia e do Brasil, apoio que depois se alargou à navegação do Atlântico Norte e já nos séculos XVIII e XIX, às próprias frotas locais que transportavam urzela, laranjas e vinho, tanto para a Europa como para as Índias Ocidentais e os Estados Unidos da América. E foi também por ser seguro que, durante o século XIX, se tornou no maior porto baleeiro do mundo, ao acolher a grande frota baleeira dos Estados Unidos da América.


Depois veio a construção da doca, dando aí melhores condições aos homens do mar e iniciou-se o ciclo do carvão, com o estabelecimento de grandes depósitos, que estiveram sempre muito activos até ao aparecimento do óleo que ditou o encerramento dos armazéns da cidade já depois da Primeira Grande Guerra.


Entretanto tinham sido amarrados nas baías da Horta e de Porto Pim cabos submarinos para ligações telegráficas entre a Europa e a América, pertencentes a companhias de nacionalidades inglesa, alemã e americana e que trouxeram ao Faial centenas de jovens operadores, uma grande parte dos quais acabou por casar e fixar-se no meio. Mais tarde, já nos anos 30, foram os excitantes anos da aviação com a competição para a Travessia do Atlântico, com escala na abrigada baía da Horta. Por aqui estiveram em ensaios porfiados a americana Pan American com os seus famosos Clippers, os alemães da Lufthansa, que usavam catapultas na descolagem dos hidros, mais os ingleses da Imperial Eagle e os franceses da Air France. Embora os alemães tivessem conseguido fazer viagens experimentais com sucesso, foram os americanos os vencedores desta extraordinária corrida e mantiveram voos normais entre 1939 e 1945, ano em que acabou a Segunda Grande Guerra.


Ao mesmo tempo, o porto da Horta, tal como já acontecera na Grande Guerra de 1914-1918, serviu de Base Naval para a Home Fleet prestando um inestimável apoio na guerra anti-submarina e, portanto, ajudando os Aliados a ganhar a guerra. Evidentemente, veio depois o declínio para o porto da Horta, que não pôde acompanhar as mudanças operadas com o fim do carvão e a opção pelos óleos, o que acabou também por causar o fecho das suas famosas oficinas de reparações navais.


Mas a seguir chegaram os grandes rebocadores holandeses da companhia L. Smit’s, que passaram a fazer base no porto, à escuta dos pedidos de socorro de navios em dificuldades no Atlântico.


Por fim, a pouco e pouco, começaram a aparecer no porto as velas de pequenos iates, que o vulgo apelidava, apropriadamente, de “aventureiros” e que neste último ano representaram perto de 1300 entradas, tornando a Marina da Horta numa das mais frequentadas a nível europeu e mesmo mundial, como marina de passagem. Toda esta preferência pelo porto da Horta representa, acima de tudo, o reconhecimento prático das suas condições estratégicas e de segurança.


Porém, a melhor prenda dos últimos anos acabou por ser a escolha da Horta para sede do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, centro de investigações reconhecido internacionalmente como excelente e por onde têm passado investigadores e estudantes de pós-graduação oriundos de todo o mundo. Hoje, com novas e amplas instalações prontas a ser inauguradas e que vêm proporcionar muito melhores condições ao seu trabalho, são de esperar outros desenvolvimentos.


É por isso que nesta comemoração do Dia nacional do Mar, mais do que a evocação do passado, devemos preparar o futuro. E parece haver razões para pensar que, como sempre, o futuro da Horta ficará intimamente ligado com o Mar.

Mário Frayão



Colaboradores:

Fotografia da Capa: Jorge Góis
Crónica: Mário Frayão
Música: Pedro Monteiro
Cinema: Aurora Ribeiro

Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Tomás Silva
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: Fernando Tempera, Íris Sampaio, Pedro Ribeiro


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terça-feira, 3 de novembro de 2009

Edição nº25



Crónica

Faial Filmes Fest


Tenho uma amiga que me pergunta frequentemente:
então, como é que está a correr? - referindo-se ao processo
de preparação do V Faial Filmes Fest – Festival de Curtas das
Ilhas. Respondo-lhe invariavelmente, com uma espécie de
suspiro: não sei. Acontece o discernimento acanhar-se diante
do emaranhado de coisas para ontem, coisinhas miudinhas e
outras demasiado grandes, telefonemas, emails, cartas, fortunas,
revezes… e até da matreira sorte.
A construção do Festival de Curtas das Ilhas processa-se assim,
entre o caos e a harmonia, entre a razão e o coração, com
uma pitada de sorte; entre a vontade de ultrapassar as
contrariedades e a raiva delas, feita energia para encontrar
soluções e enfrentar os desafios em frente, mas sobretudo
com a alegria de ver as peças encaixarem-se, por força do
trabalho, do querer e do crer – nosso e dos que connosco
partilham este projecto, apoiando-o financeiramente ou
facilitando procedimentos e abrindo caminhos.
O Faial Filmes Fest 2009 abre com uma declaração da força
da conjugação de todos esses factores: um ano depois do
desafio avançado por um dos oradores da homenagem a Dias
de Melo (que deu o arranque à edição de 2008) aos realizadores
presentes, eis que um documentário sobre o escritor açoriano
nos vem “parar às mãos” e assentar como uma luva de plica
mágica na primeira Sessão Especial da edição deste ano! Não
podíamos desejar melhor prenúncio para o arranque do Festival
e ele repercute-se nos dias seguintes, no expressivo conjunto
de filmes que compõem as sessões especiais e de competição.
Nas 45 curtas-metragens da Selecção Oficial contam-se, além
dos nacionais (incluindo Açores e Madeira), pela primeira vez,
filmes das Canárias e de Cabo Verde, que responderam à
abertura do Festival às cinematografias da Macaronésia – esse
conjunto de realidades insulares paradoxalmente tão disperso
de si mesmo e que pretendemos reunir no cinema, conferindo
maior dimensão ao enunciado “Festival de Curtas das Ilhas”.
Ao longo de 3 dias estarão em exibição as mais recentes
produções nacionais e regionais de curta-metragem; filmes
premiados em festivais de cinema de renome e outros que
premeiam a criatividade.
Fora de Competição, o FFF’09 apresenta um conjunto de 7
filmes que estabelece uma ponte entre os primeiros passos do
“cinema novo” português e o cinema da nova geração de
cineastas nacionais, com uma passagem pelo FFF’08 e um
pequeno segredo a ser desvendado ao vivo, no Cine Teatro
Faialense.
Por tudo isto e muito mais, a 5ª edição do Faial Filmes Fest
anuncia-se mais rica em diversidade e conteúdo, sólida e
coerente - e mais dedicada ao público e ao próprio Cinema.
Agora sim, podemos afirmar: está tudo a postos. Venham as
pessoas – muitas pessoas – e a festa do Cinema no Faial ficará
completa!
Renata Lima

Colaboradores:
Ilustração: Isabel Sampaio
Crónica: Renata Lima
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Eduardo Carqueijeiro, Marco Silva
Ciência e Ambiente: Dina Dowling, Hugo Diogo e Pedro Monteiro
Gatafunhos: Tomás Silva

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domingo, 18 de outubro de 2009

Edição nº24


Crónica

A Turquía e a União Europeia


A primeira coisa que perguntei ao primeiro turco que encontrei foi "qual é o sentimento da Turquia sobre a adesão à União Europeia?". De certa forma, foi uma pergunta muito positiva porque, sem ser agredido fisicamente, fiquei a saber qual um dos tópicos sensíveis na Turquia e aprendi uma série de expressões de enorme desconforto (leia-se, palavrões). No final, o meu interlocutor resumiu os seus sentimentos em "espero que os nossos políticos esqueçam essa ideia, porque a dignidade dum povo tem os seus limites!". Não o sabia previamente, mas nos dias seguintes utilizei um método expedito para determinar as possibilidades da Turquia entrar na União Europeia.

Quando entrei no barbeiro, um jovem de vinte e poucos anos, fã do Cristiano Ronaldo, esmerou-se a cortar-me o cabelo de acordo com o desenho que eu tinha escolhido numa revista de penteados que havia na barbearia. Era impossível a comunicação porque o inglês dele apenas era comparável com o meu turco. Apesar disso, tudo estava a correr normalmente e fiquei positivamente surpreendido por utilizar uma lâmina descartável. Na verdade, estava tudo a correr bem até que aproximou uma chama das minhas orelhas e me queimou! Fiquei tão surpreendido que estive para fugir, mas ele não me deixou mexer. No momento seguinte, já estava a enfiar um instrumento pelas minhas narinas e a aparar-me os pelos do nariz. Não contente, continuou nas sobrancelhas. Estudei a distância até à porta e, quando me preparava para correr, ele enfiou-me a cabeça dentro de uma bacia cheia de água e lavou-me, em simultâneo, a cabeça, a cara e as orelhas... Quando me libertou, eu estava tão baralhado e sem fôlego que não tive discernimento para efectuar qualquer gesto, até porque ele já me estava a colocar uma loção misteriosa na cara. Rendi-me ao mesmo tempo que sentia os músculos da cara a descontraírem-se. Nesse momento percebi que o Ocidente perdeu esta capacidade de tocar nos outros sem complexos. Aqui os homens andam de mãos dadas com os homens e cumprimentam-se de beijo na cara. Em Portugal é impensável que um homem cumprimente desta forma alguém do mesmo sexo sem que seja seu familiar directo. A sua sexualidade seria imediatamente posta em causa. Olho para o lado e, escândalo!, está uma criança a fazer uma massagem nos ombros de um maganão! Não é possível. Chamem já a polícia! Ainda por cima, o maduro parece estar a gostar! "Calma, Frederico, pensa... Entre esta criança, nitidamente familiar do barbeiro, estar alienada a jogar PlayStation, a drogar-se ou a consumir outros estupefacientes (televisão, álcool, etc) ou a ajudar a família, fazendo uma operação delicada, responsável e lucrativa, o que te parece melhor?". Oh, não! Agora passou à face! Os dedos da criança passeiam sobre a cara do homem fazendo gestos circulares, experientes e competentes. A expressão de delícia do adulto não dá margem para dúvidas. Estou baralhado. Estou mesmo baralhado... Isto, nos meus olhos ocidentais, parece-me francamente errado, mas não consigo encontrar justificação forte para a minha moralidade de trazer por casa. No final, verifico que o cliente, para além de ter pago uma bela maquia pelo trabalho de corte de cabelo (versão completa, como o meu) e restante serviço, ainda pagou uma generosa gorjeta ao rapaz, o equivalente a um almoço.

Queimar, praticamente, afogar um cliente e usar trabalho infantil... Apenas numa simples ida ao barbeiro, fiquei a perceber porque é que a Turquia nunca entrará na União. Estou a voar sobre a Turquia, despedindo-me deste vasto e populoso país com saudade. Quando olho lá para baixo penso que, realmente, eles não precisam.


Frederico Cardigos


Colaboradores:

Ilustração: Catarina Krug
Crónica: Frederico Cardigos
Cinema: Aurora Ribeiro e Miguel Machete
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Miguel Valente e Tomás Silva
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: José Nuno Pereira e Pedro Monteiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Revisão: Sara Soares
Lacunas: Frederico Costa


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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

CARLOS MEDEIROS & Os Outros - Lenga Lenga
Aniversário Fazendo na C.A.S.A., Horta, a 10 de Outubro de 2009

sábado, 3 de outubro de 2009

Edição nº23


Crónica


Uma vez li numa parede que a “A ética é estar à altura do que nos acontece” (Gilles Deleuze). Esta afirmação pode ser verdadeira para os tempos mais conturbados, onde naturalmente se esperam comportamentos éticos e épicos, mas também para os tempos mais calmos. Mesmo quando tudo está conturbado à nossa volta – no país e no mundo – é possível sentir, no Faial, que estamos numa ilha onde há tranquilidade, há paz.

Mas esse privilégio, o da “ilha de paz” pede que se faça algo. Assim, para estarmos à altura do que nos acontece, para estarmos à altura dessa paz, harmonia, beleza, que se nos oferece é desejável que algo se faça no sentido da manutenção desse estado. O fazer em prol de, o dar, não é um dever mas sim uma oportunidade que nos é concedida. Porque quando estamos a dar, quando temos essa oportunidade, temos também oportunidade de receber em satisfação, em sentido de cumprimento da nossa missão.

Nos Açores as dádivas por parte da paisagem são múltiplas: cada mergulho no mar é uma dádiva; cada pôr-do-sol no Pico é também uma dádiva; aqui o mar e a terra conjugam-se para criar uma paisagem viva, jovem, vibrante, em constante mutação, mas, ainda assim, com um carácter muito próprio. Como retribuir? Como dar à paisagem e assim assegurar um equilíbrio subtil feito da relação entre o homem e o meio natural?

Uma hipótese será através da resolução das fragilidades que essa paisagem apresenta e que são visíveis, por exemplo, na proliferação de vegetação invasora introduzida pelo homem. Este é um grave problema colectivo que requer um empenho colectivo, enquanto sociedade e governo, mas também individual.

E o empenho individual pode ser de molde a que cada um de nós decida dar algumas horas do seu tempo livre ao combate das invasoras em áreas protegidas, como é o caso da Paisagem Protegida do Monte da Guia. Este tipo de comportamento beneficia em primeira instância quem o tem, e beneficia, em segundo lugar, a paisagem.

Com a organização do Jardim Botânico do Faial e inserida na tese de doutoramento “A preservação do carácter da paisagem açoriana: aplicação em áreas protegidas nos Açores” está em preparação uma acção de voluntariado para erradicação de invasoras na Paisagem Protegida do Monte da Guia. Vamos ajudar?



Cláudia Gomes


Colaboradores:

Ilustração: Paulo Neves
Crónica: Cláudia Gomes
Entrevista: Aurora Ribeiro
Cinema: Aurora Ribeiro e Fausto Cardoso
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Pedro Monteiro
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: Ana Pinela, Cláudia Gomes, Cristina Carvalhinho, Dina Dowling e João Melo


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quinta-feira, 30 de julho de 2009

Edição nº22


Fazendo - Capitulo I


Iniciou-se o Fazendo com o Outono passado. Chegados ao meio do Verão decidimos dar por encerrado o primeiro ciclo deste nosso boletim e fazer uma pequena pausa antes de regressarmos novamente com a estação das frutas (a comunicação social mais ligada à cultura chama-lhe reentrèe).

Fim de um ciclo, dizemos. Primeira etapa de um percurso que nos atrevemos a chamar colectivo – e assim o queríamos. Seguindo um paradigma recente de informação democratizada, pretendeu-se estimular a comunidade a criar mais oferecendo-lhe uma janela para mostrar essas criações. Simultaneamente fomentou-se a partilha de conhecimentos e discussão daquilo que outros fazem, noutras comunidades, para que possamos integrar esses elementos novos naquilo que fazemos. Na primeira edição afirmáva-mos não ter “jornalistas creditados, profissionais peritados ou críticos conceituados”, somente uma vontade de fazer e de crescer colectivamente que, achamos nós, foi bastante partilhada ao longo deste ano. No entanto, pode e deve ser mais.

Cultura e ciência, duas disciplinas que ao longo da história mantiveram um diálogo constante - ora servindo a ciência como matéria da arte, ora a arte aproveitando-se dos progressos da ciência para veicular a sua expressão – foram o objecto escolhido. Não gratuitamente, diga-se.

Pode-se entender a cultura como espelho social e individual, meio de reflexão e até de educação. Embora muitos a achem supérflua é inegavelmente uma constante no quotidiano, quer nos objectos a que agora chamamos artesanato e que um dia foram instrumentos de trabalho imprescindíveis, quer mais recentemente na música que não podemos deixar de ouvir quando vamos ao supermercado, nas esculturas que adornam rotundas, no design inerente a qualquer publicação ou até numa certa plasticidade artística que subtilmente vai sendo utilizada por alguma telepublicidade mais arrojada. Querendo ou não, vivendo numa sociedade ocidental (ou ocidentalizada), atrevo-me a dizer que a cultura é algo que está praticamente em toda a parte e que é impossível não consumir. Ora, utilizando uma analogia dietética, qualquer pessoa compreende que aquilo que come é literalmente o que vai constituir o seu corpo e daí se compreender a necessidade de algum cuidado com os alimentos escolhidos. Saber escolher, filtrar e interpretar o que irá ser alimento dos restantes sistemas que não o digestivo, torna-se imperativo para cuidar de outros tipos de saúde não menos importantes. Nem toda a gente tem de saber quem foi Schubert da mesma maneira que um erudito em Sartre não tem de saber arranjar o carro. A quantidade de informação e de estímulos é cada vez maior e a necessidade de escolher e filtrar, inevitável. Alguma atenção a esse bicho estranho da cultura, como ao menos estranho que é a ciência, pode contribuir para essa melhor saúde, penso. O próprio exercício criativo ajuda a pôr as ideias em ordem.

Para finalizar, que o esforço no sentido de uma comunidade em crescimento (pelo menos qualitativo) seja cada vez mais partilhado e que se abandonem preconceitos que para isso em nada contribuem - o de elitismo da cultura à cabeça. Até à “reentrada”, em setembro, agradecemos a todos os que participaram neste projecto, e mais uma vez deixamos aqui um braço estendido e um convite reiterado para que mais o vão fazendo.


Pedro Lucas


Colaboradores:

Ilustração: Francisco Silva
Crónica: Pedro Lucas
Chegadas: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Aurora Ribeiro e Pedro Monteiro
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: Dina Dowling e Filipe Moura Porteiro
Lacunas: Tomás Silva


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segunda-feira, 13 de julho de 2009

Edição nº21


Crónicazinha


Perspectivar o futuro do edifício do Banco de Portugal reclama o conhecimento da sua história, do que representou e representa, ainda hoje, no contexto urbano da cidade da Horta. Este edifício marcante foi construído nos anos trinta do século XX e faz parte de "um todo coerente"*, que constitui a área urbana do centro da cidade. A fachada em pedra calcária dialoga com o basalto negro que reveste a fachada da Igreja de S. Francisco, construída no sec XVII e a leveza do Jardim Eduardo Bulcão.

Enquanto interventora cultural, só posso desejar que o edifício do Banco de Portugal seja um Espaço destinado às Artes; uma Academia de Artes.

Fundamento: a dignidade do edifício justifica que o Município lhe dê um fim social e culturalmente nobre. O facto de ser constituído por dois pisos permite projectar oficinas no res-do-chão e exposições no primeiro piso, uma área completamente revestida a mármore, com uma enorme dignidade.

É possível ainda projectar jardins e uma Residência de Artistas no espaço exterior, contíguo à Rua Conselheiro Miguel da Silveira. A recente exposição de pintura de Pedro Solá demonstra que a ilha é um espaço de criação, por excelência, para aqueles que libertos da alienação do quotidiano, se entregam às artes e ao processo criativo.

* in Inventário do Património Imóvel dos Açores

Maria do Céu Brito


Colaboradores:

Ilustração: Ana Correia
Crónica: Maria do Céu Brito
Chegadas: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Cinema: Aurora Ribeiro
Música: Eugénio Viana
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Eugénio Viana
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: Cristina Caravalhinho e Dina Dowling 
Lacunas: António Jorge da Câmara, Rui Assunção e Tomás Silva


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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Edição nº20


Crónica das oito teorias ou um ensaio do novo tipo, pois eu não tenho a paranóia dos romances


Quando eu era puto, tinha a mania de me ocupar em tentar consertar o mundo. O meu mundo. A ilha. O espaço em que me movia. Remendava aqui e ali, tirava dacolá, acrescentava algo de novo a certas coisas, que a meu ver eram importantes. Conversava muito. Conversava com os mais velhos, com uns e com outros, sobre tudo e sobre nada, mas a dada altura cheguei à brilhante conclusão, que esta coisa de mudar o mundo, é cá uma trabalheira, um projecto com dimensões e contornos brutais, e cansei-me. Cansei-me logo nos primeiros meses do ano em que completava os 15 anos. Olhei então à minha volta, e pensei na séria hipótese de escrever um Livro de Teorias. Isso mesmo. Teorias. Teorias das mais variadas e para as mais diversas necessidades pois uma pessoa não sabe o dia de amanhã. Porquê? Não sei. Nem penso muito nisso. Apenas penso nas teorias, e em ver o meu rico livrinho publicado. Sempre poderei ganhar alguns trocos, pois há sempre pessoas que vão em cantigas, mesmo em sol baixinho.
Pois bem. Comecei com brevíssimos apontamentos. Rabiscos em guardanapos, toalhas de mesa, nos maços de tabaco e no verso dos talões das compras. Outro dia, falei deste Livro de Teorias, a um amigo de longa data. Este, deveras curioso, pretendeu obter alguma informação detalhada sobre a hipotética publicação. Fez-me perguntas. Muitas perguntas e difíceis – para variar – e não hesitei por citar alguns exemplos dessas minhas teorias já anotadas. Vejamos:
Exemplo 1: Tenho como teoria o seguinte: quanto menos um adepto de um clube desportivo entende de futebol, mais alto fala. Outro dia, num café, mesmo perto da casa onde pernoito, e onde vou regularmente satisfazer o meu vício de fumador de tabaco, dois tipos falando de um certo e determinado encontro futebolístico, e aos berros, não davam uma para a caixa. Diziam um chorrilho de disparates. Cada um pior que o outro. Cada cova, cada minhoca, cada cavadela, cada cagadela. É pá, eram seguidas - contou-me alguém entendido nessa nobre arte de discutir futebol. A partir de então, esse tal meu amigo, começou por concordar com esta minha teoria, o que me deixou deveras entusiasmado. Se vontade tinha para avançar com o Livro das Teorias, com mais vontade fiquei.
Tenho outra teoria: Um sujeito quando compra um carro novo, espaçoso, com ar condicionado, airbag, jantes especiais, alta cilindrada, etc. menos tolerante ele é, com tudo e com todos.
Qualquer um pode fazer o teste. É só passear pela marginal da Horta. Outro dia, um senhor já com uma certa idade, conduzia um carro, daqueles que não sei como passam na inspecção, um tanto ao quanto em mau estado, pneus carecas, escape preso por um arame e retrovisor rachado pelas desgraças do tempo e da vida. Quando me preparava para atravessar a estrada, ele começa a parar bem ao longe e fez-me sinal para passar. Melhor ainda. Até esboçou um simpático sorriso. Lindo! Não adianta ter pressa, o melhor mesmo é sair à hora certa, que isto de andar com pressa é um stress do caraças.
Dias depois, avisto um “alto carro”, todo xpto, com ar condicionado, auto rádio, mp3, leitor de cd, dvd, telefone, televisão, micro-ondas, frigobar, churrasqueira, wc, jacuzzi, piscina e sei lá que mais… Quando começo a atravessar a passadeira, o espalhafatoso condutor - qual figurinha de filme de Emir Kusturika - prego a fundo, acciona a puta da buzina, o que me leva a tomar as devidas precauções. Deixei-o passar, antes que fosse completamente cilindrado. Pior que isso: O tipo estava cá com um mau humor, (mau humor sistemático) por algum motivo que nem Freud encontraria explicação para tanto azedume.
Outra teoria: Quando um sujeito inicia um processo de mestrado, descobre que é um autêntico burro.
Aconteceu e acontece a vários amigos meus. Um tipo é um bom profissional, dá conta do recado, lê os seus livrinhos, vai ao cinema, tem uma certa base crítica, não é nenhuma sumidade intelectual, mas resolve fazer um mestrado. Na primeira semana, descobre que as pessoas andam a dizer coisas muito mais interessantes… Enfim, começa mesmo a perceber que é meio burrinho, mesmo. A sorte é que no segundo semestre, lê que nem um camelo, começa a dizer coisas importantes, e não se acha mais tão quadrado assim.
Teoria número quatro: Um crítico de cinema vê o filme que vimos, mas é um outro filme.
Tirando o João Lopes, da SIC, que gosto muito, o crítico de cinema parece que vê sempre outra coisa. Quando a gente vê um drama humano, algo para repensar a vida, o crítico acha que o cinema está também em crise, e “não acerta o paradigma de uma estética existencialista". Quando o filme é aquela seca do início ao fim, e saímos do cinema com uma forte dor de cabeça, querendo tomar umas bejecas ou um whiskie para relaxar, o crítico entende que “a estética inovadora deu um novo impulso à narrativa, optando pela pluralidade”. Dá vontade apenas de dizer: é ruim, heim? Olhe, vá à merda…
Outra teoria: Cachorro é a cara do dono.
Podem olhar. Vem um fulano gordinho, o cachorro é gordinho. Vem um tipo magrinho, o cão é magrinho. Vem outro gajo que não se cala, o cão não para de ladrar. Vemos um cão que encontra outro cão e lhe vai ao rabo, o dono é gay. Vem uma tia empiriquitada, o seu caniche parece uma boutique ambulante a tresandar a perfuma de velha. Vem um labrego, ao seu lado, estará com certeza, um cãozinho de orelhas cortadas, rabo traçado e com uma coleira com o emblema do Benfica.
Teoria seis: Há gente que só vai ao cinema comer pipocas, e ainda por cima com a boca aberta.
Eu decididamente não entendo. Não percebo e se calhar nunca vou perceber. Já assisti a vários filmes, nunca vou ali, comprar umas pipocazinhas. Nem quando vou ver um blockbuster. Nenhum amigo, que assiste a um filme comigo, tem fome de pipocas. Isso mesmo. Fome de Pipocas. Mas quando vou a um centro comercial, chego à sala de cinema, sento-me, e lá vem um filho da puta de um estafermo, com a namorada, e um balde de pipocas. Não, não é um balde, mas uma saca, de 12 quilos. O gajo vem, e senta-se mesmo ao lado. O filme começa. Ele começa a jogar as pipocas na boca e amassa, com a boca aberta. Srec, srec, srec. O sacana, não vai ao cinema para ver um bom filme, mas para saciar uma tara íntima de comer pipocas no escuro, com o raio da boca aberta, coisa proibida em casa, provavelmente. Eu detesto esta teoria, mas que é verdade, lá isso é. Nunca vos aconteceu?
Outra teoria: No casamento, o padre só fala em traição.
Já não sei bem qual é a formação actual dos padres portugueses católicos, mas eu, que já frequentei uma igreja, onde eram realizados muitos casamentos, posso dizer – o padre tem uma complexa e punitiva tara pelo tema da traição – na cerimónia de casamento, os padres tem a mania que nós não paramos de nos comer uns aos outros. Pode ser verdade, mas ele precisa dizer isso, justamente na hora em que pergunta se um tipo vai ser fiel, na doença e na pobreza, na tristeza e na angústia? Se isto não é patológico, então o que é?
Teoria oito e conspirativa: O Humor afinal tem ideologia, e um dia que uma boneca insuflável deixe de ter prazer, é porque lhe faltou o ar.
Do jeito em que as coisas vão, um dia destes ainda emigro para a República de Camarões, e farei uma tenaz campanha pelas Lagostas. Sim, pelas lagostas. Que sejam elas as eleitas, caprichadamente cozinhadas em água salgada e bem quentinha, para que possam assim, ganhar cor, dando assim início a uma radical e prazeirenta metamorfose gastronómica, para serem degustadas junto ao mar, em noites de lua cheia, e comidas ao som de Vangelis, em perfeita simbiose com certas espécies de moluscos, caminhando na direcção do gosto dos mais exigentes adeptos de sumptuosas orgias mariscais. Sim, porque há quem pense que um bacalhau vem directamente do mar da Noruega em forma de triângulo.
Tenho mais 45 teorias, já devidamente anotadas e comentadas, encontrando-se já plasmadas num caderninho, já um tanto ou quanto manchado, de um vinho discreto, proveniente de uvas de castas tintas tradicionais do Douro – Tinta Roriz, Touriga Franca e Tinta Barroca. Ficam para depois…
Agora, vou mas é ler um conto de La Fontaine.

Moral da (desta) Crónica: A crónica é uma verdadeira inconstância. Em teoria, sabemos o que poderá ser, o que não pode ser, e o que poderia vir a ser realmente.

Luís Pereira


Colaboradores:

Ilustração: Pedro Solá
Crónica: Luís Pereira
Chegadas: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Cinema: Fausto André
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Pedro Solá
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: Cristina Carvalhinho, Dina Dowling e Filipe Moura Porteiro
Lacunas: Fernando Menezes


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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Edição nº19


Encontros de Porto Pim 09

Os Encontros de Porto Pim têm vindo gradualmente a tornar-se uma referência a nível cultural e ambiental na Ilha do Faial.

Esta iniciativa surgiu de uma parceria entre a Direção Regional do Ambiente e a Direção Regional da Cultura aquando da abertura do Museu da Fábrica da Baleia de Porto Pim com vista a divulgar e dinamizar este espaço. Assim, através da realização de diversos eventos ligados à arte, à ciência e à sensibilização ambiental, deu-se uma nova vida a uma das mais belas zonas da ilha do Faial.

A VII edição dos Encontros de Porto Pim teve inicio no dia 3 de Junho com a inauguração da exposição dos trabalhos do Projecto Maresias que contou com a presença do contador de histórias Filipe Lopes. Este projecto foi uma iniciativa da CMH que, em colaboração com o OMA e com a Ecoteca, visou a realização de acções de sensibilização ambiental junto das Escolas Básicas da ilha do Faial. Às escolas foi-lhes propôsta uma visita ao Museu da Fábrica da Baleia e a realização de trabalhos relacionados com a temática do mar e da baleação. O resultado destes trabalhos está exposto até dia 27 de Junho na sala do CIMV3000 no Centro do Mar.

Nesse mesmo dia à noite foi também inaugurada a exposição de fotografia 30 Imagens para Neruda de Roberto Santandreu. Durante a inauguração da exposição teve lugar um recital de poesia onde foram declamados poemas do poeta Chileno por Pedro Solá e Maria do Céu Brito. Esta exposição apresenta 30 fotografias de grande formato a preto e branco que decoram as paredes da Sala dos Óleos do Centro do Mar e estará patente ao público até dia 27 de Junho. (mais informações sobre esta exposição no artigo de Rui Pereira)

Entretanto teve ainda lugar um debate sobre o Mar e as Pescas nos Açores e a Mini Maratona do Ambiente, entre o Varadouro e os Capelinhos, que contou com várias dezenas de participantes.

O Cinema está também presente nos Encontros de Porto Pim ’09, com 3 dias dedicados ao Cine’Eco - Festival de Cinema e Vídeo da Serra da Estrela, Seia. Em exibição estarão 4 documentários premiados no CineEco 2008, numa mostra do que melhor se faz no campo do cinema e do audiovisual de temática ambiental. Nos dias 10, 11 e 12 de Junho, decorrerão às 21:00 as sessões com entrada gratuita, no espaço do Museu da Fábrica da Baleia de Porto Pim, no Monte da Guia. No dia 12 será projectado também um documentário dedicado ao publico juvenil, com sessões às 10 e às 14 horas.

Hoje – Quinta Feira dia 11, tem lugar no Bar do Teatro pelas 21:00 a tertulia “O Mar na Poesia de Ruy Belo”.

Dia 19 de Maio a música e a dança animam a Baía de Porto Pim. Às 19 horas terá inicio uma performance de Ballet na praia realizada pelos alunos do Conservatório da Horta, junto ao Centro do Mar. Mais tarde, pelas 23:00, a festa está a cargo dos Bandarra que garantem animação pela noite dentro na rampa da Fábrica da Baleia.

Dia 20 pelas 21:30 as portas do Museu da Fábrica da Baleia serão abertas a diversas artes performativas e plásticas. O espaço que em tempos foi o local de trabalho de dezenas de homens e onde o barulho das máquinas era insurdecedor, é o mesmo que agora, e com as mesmas máquinas, diversos artistas irão partilharar e onde se irão inspirar para criar e improvisar em conjunto.

Entre os dias 22 e 25 decorrerá um workshop de pintura “Pintar o Céu” com Margarida Alfacinha.

No dia 27, a sessão de encerramento dos Encontros de Porto Pim ’09 terá lugar no Centro do Mar e contará com uma actuação da Filarmónica Unanime Praiense.


Pedro Monteiro


Colaboradores:

Ilustração: Florimundo Soares
Crónica: Pedro Monteiro
Chegadas: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Teatro: Anabela Morais e Grupo de Teatro "O Dragoeiro"
Música: Daniel
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Florimundo Soares, Margarida Alfacinha e Rui A. Pereira
Literatura: Ilídia Quadrado
Ambiente: Dina Dowling


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sexta-feira, 29 de maio de 2009

FAZENDOBarulho #2



No seguimento da primeira ediçãodo FAZENDObarulho a Associação Cultural Fazendo planeou um novo evento com um sentido de continuidade em relação à estreia mas aumentando a aposta ao nível da programação. Uma vez que o segundo número desta rúbrica terá lugar na véspera do feriado do dia de Portugal e das Comunidades pretendeu-se criar uma festa de celebração das culturas da lusofonia, mais concretamente das ligadas ao continente Africano.
Assim o FAZENDObarulho#2 abrirá com um concerto de música cabo-verdiana por Alexandre Delgado, músico residente no Faial que no ano passado lançou o seu disco de estreia “M’ninha de S. Nicolau”. Este disco contou com a produção de Humberto Ramos, director musical ligado a artistas como Cesária Évora, Dany Silva, Tito Silva ou Maria Alice. Alexandre Delgado será acompahando por Zeca Sousa, Chico Andrade e Vìtor Lopes. A continuação da noite ficará a cargo de João Gomes, músico dos Cool Hipnoise e Spaceboys, com um DJ set que deverá passar por diversos espectros da música negra (afro-beat, funk, semba, kuduru, reaggae). No vídeo vai-se contar com uma batalha em tempo real entre os VJ’s Rui Branco e Aurora Ribeiro.

9 de Junho

23h00 Alexandre Delgado.concerto 

24h00 João Gomes (Cool Hipnoise).dj set 

           VJ’S Rui Branco vs. IlhasCook


Para mais informações clique aqui ou em baixo:


Edição nº18



O que é ser Faialense?

Pergunto-me. Eu, Fausto, filho de picarotos nascido no Porto, infância e juventude vividas no Faial e que agora, passados alguns anos, regresso.

Ser algo é sê-lo dos pés à cabeça. Os pés caminham sobre um chão, e a cabeça sob os ideais que gerem o espírito humano – a sua cultura.
Ser faialense é, em primeiro lugar, habitar um pedaço de pedra que brotou violentamente do mar hà 800 mil anos e que durante 200 mil anos foi forjado pela força ardente do centro da Terra. Esta é a força primordial. E ela está hoje aqui, e quando quer, chega e altera tudo. Da pedra veio a terra, e da terra as plantas e os animais. Depois são 500 anos de povoamento pelo homem. São séculos de sangue do povo lusitano sobre o chão desta ilha. E este sangue está aqui nas veias e comportamentos dos homens e mulheres que a habitam.

À procura de casa. Tanto dinheiro me pedem por um sítio onde viver. Pergunto-me: como sobrevivem as famílas quando todos os bens são tão caros e o que recebem é tão pouco. A ganância descontrolada faz décadas que passou a gerir as relações sociais. Há sítios - aqui bem perto - em que ainda dizem: se fores honesto, um arranja-te umas batatas, o outro uns ovos ou um pão de milho e vivendo e dançando aqui connosco não irás morrer à fome. Mas está a desaparecer este espírito de vida e verdadeira bondade.

Esta é uma terra fértil onde nasce tudo o que se semeia. Era uma terra onde se cultivava tudo o que era preciso para comer muito e bem. Mas a ilha foi convertida em pasto para vacas e a comida industrial de má qualidade substituiu a produção local. Agora o Faial está a ser convertido em pasto para turistas imaginários.
A Horta – que nome tão significativo – uma cidade de sonho, verdadeiramente de sonho, mas que vai sendo lentamente invadida pelo betão até ao golpe mais rude que já a espera – o tal porto que já fez chorar os habitantes que nada fizeram da ilha Terceira e da ilha de São Miguel. Ilusões vendidas em prol do dinheiro perante um povo sem reacção que ainda vai acreditando na lenga-lenga do desenvolvimento e do turismo salvador. Quando ironicamente quem nos vem visitar quer escapar precisamente aos portos de betão e metal, procurando a avenida mais bonita do mundo com vista para a imponente montanha e a praia da Conceição para nadar e ver o Pico, e não o paquete que lhes polui a água. Quer fugir às centenas de parques eólicos do seu país, apenas para esbarrar com um em Pedro Miguel (e em breve, se nada fôr feito, mais um para o lado Norte). Quer fugir também ao barulho das máquinas de aspirar os passeios da cidade onde se despeja herbicida e lixo. Querem ver fontanários antigos com água de fonte, querem estar longe de fontes de radiação em massa como antenas de telemóveis e sistemas wireless (em Almoxarife encontramos um num parque infantil). Querem ver a Natureza em bruto, na sua beleza e riqueza em vez de centros de interpretação, centros de tédio informático e aquários virtuais. Eles não querem isto durante um mês e nós queremos durante todo o ano? Para sempre? Estes visitantes, a quem foi vendida uma imagem de harmonia natural, não irão voltar e os faialenses irão ficar com a sua bela cidade cada vez mais cinzenta, artificial e triste.

A nossa cultura é a nossa terra. Os nossos instrumentos, a nossa chuva que nos dá água, a nossa chamarrita que nos une em roda, o nosso pão, o nosso milho, os nossos chapéus de palha, as nossas rendas e bordados, as nossas almarras, a nossa calma, o nosso silêncio, os nossos animais, as nossas terras, a nossa amizade, a nossa cultura.
“O verbo «cólere», de que deriva «cultura», exprime a idéia de «amanhar, cuidar, revolver» a terra, fertilizando-a e semeando a boa semente para que produza mais e melhor. Reporta-se pois, originariamente, ao trabalho agrícola, compreendendo tanto o cultivo do solo, quanto o cultivo dos vegetais no solo. Com o correr do tempo, o verbo «cólere», veio adquirindo outros sentidos. Às vezes significa «habitar», como a dizer que aquele que trata a terra é o que nela habita. O homem, utilizando-se dos recursos das florestas, constrói sua moradia para nela habitar. Outras vezes significa «venerar e honrar» os deuses e os amigos, equivale dizer, cultivar e dispensar especiais cuidados aos deuses para que sejam propícios no cultivo da terra; e aos amigos, os companheiros no mesmo labor. Mais tarde, sobretudo em Cícero, recebeu o sentido figurado do «trato e aprimoramento do espírito». Neste caso, o verbo «cólere» vinha sempre acompanhado do termo «animus»: cultura animi. O homem que cultiva a natureza, cultiva também a sua própria natureza. Era assim sinónimo de educação, no sentido de aprimoramento do espírito. ”

Viver no Faial e ser faialense ainda pode ser um sonho. Ou seja, a realidade de uma vida de alegria, de bem-estar, de força, de verde e de mar num pequeno paraíso da Terra.


Fausto Cardoso


Colaboradores:

Ilustração: Maria Inês Cunha
Crónica: Fausto Cardoso
Chegadas: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Teatro: Grupo de Teatro "Mensagem"
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Pedro Mota
Literatura: Ilídia Quadrado e Rita Braga
Ambiente: Dina Dowling


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quinta-feira, 14 de maio de 2009

FAZENDOtertúlia #2


Literatura e Jazz

No próximo dia 19, terça-feira, realizar-se-á a segunda tertúlia organizada pelo jornal Fazendo. Aproveita-se a passagem pela ilha do pintor/escritor Miguel Horta que virá apresentar os seus livros e manter um conversa informal com quem quiser passar pela C.A.S.A. a partir das 21h00. De seguida as lides ficarão a cargo da guitarra de Zeca Sousa e do seu trio de Jazz com Pedro Gaspar (contrabaixo) e Nélson Raposo (bateria).
Miguel Horta tem formação em pintura e é essencialmente no domínio das artes plásticas que mais trabalhos apresenta, sendo o seu percurso expositivo pontuado por presenças regulares em Portugal e na Europa. Na mediação cultural encontrou uma excelente ferramenta para a comunicação de ideias tendo já corrido o país de lés a lés com projectos na área da Promoção do Livro e da Leitura e da Educação pela Arte. Como escritor é responsável por duas publicações na área da literatura infanto-juvenil: Pinok e Baleote e Dacoli e Dacolá. O primeiro tem lugar no arquipélago de Cabo Verde e trata da história de um rapaz crioulo com fama de mentiroso, o segundo é composto por sete histórias sobre vários temas sendo todas passadas em Portugal. Estes livros, dos quais o autor é também ilustrador, serão o ponto de partida para a conversa de dia 19.
Uma vez que nessa noite não haverá cinema convidamos todos a deslocarem-se à C.A.S.A. e a participar neste serão que se quer agradável e descontraído.

A Direcção

Edição nº17


Pequenas arquitecturas esculpidas na rocha

Volker Schnüttgen esteve na Horta para a desmontagem da sua exposição Padrões do Mar, que nos últimos meses abriu janelas na Praça do Infante. Uma das quatro obras que compunham a exposição foi comprada pelo Município da Horta. E naquele jardim continua o seu diálogo com a paisagem envolvente, objectivo principal deste artista que nasceu na Alemanha, onde há pouca pedra e por isso escolheu Portugal para viver e esculpir.

Estas esculturas foram feitas para um local específico?
Elas foram feitas para um lugar na costa, isso sim. Originalmente eu tinha um projecto que era no Cabo de Sagres, na fortaleza, para fazer uma exposição com os padrões do mar. Comecei a fazer estas quatro peças e mais uma ou outra, mas o projecto nunca foi realizado. O IPAR não teve dinheiro, complicou e então ficou sem efeito. E como se trata de um espaço muito complexo, porque o Cabo de Sagres é muito histórico, muito visitado e há muitos interesses, acabou por ser cancelado. E eu fiquei com as quatro peças, muito triste, porque apesar de terem estado noutras exposições, nunca estiveram no local adequado. Tive a oportunidade de participar num projecto na Terceira e Graciosa e pus lá estas quatro peças pela primeira vez, sempre em sítios como este, perto do mar, perto da costa.

Segundo o catálogo, esta exposição vai ser exibida noutros locais e alguns deles ficam longe da costa. Como pensa enquadrá-los? Talvez na paisagem alentejana?
Sim, vão ficar de novo Padrões do Mar sem mar, e em alguns locais vão mesmo ser integradas em sítios urbanos. Mas o meu grande interesse é colocar sempre as esculturas em contexto com a paisagem.

Nesse sentido, como foi a escolha do Largo do Infante, como local de exposição para as obras?
Bom, eu recebi o convite do Museu da Horta para fazer esta exposição de quatro peças na rua. Já conhecia o Faial mas não me lembrava assim tão bem de todos os sítios. Também podia ter imaginado colocar as peças numa falésia, mas seria mais complicado ter público. E achei bonito o jardim com a fortaleza ao lado. Estas formas escultóricas têm muito a ver com fortalezas e castelos. Aqui temos de um lado o mar, do outro a fortaleza, o jardim também é bonito, e ainda esta vista fabulosa do Pico, sobretudo a que se tem do local da escultura que foi comprada.

Está muito presente esta ideia de moldura e de escadas, de passagem ou de entrada para a paisagem...
Sim, na maior parte houve essa preocupação. Por exemplo aquela escultura que estava mais do lado de lá (norte), que tinha aquela escada para baixo, estava pensada para um lugar em Sagres, onde ficaria mesmo na falésia, com a escada que depois daria continuação até ao mar. Aqui a peça não funcionou assim, funcionou só por si porque não tinha o contexto que estava planeado. Numa exposição temporária é sempre mais difícil encontrar os locais ideais.

E as esculturas que estiveram na sala de exposições da Biblioteca Pública (exposição O Avolumar do Habitat - esteve patente em conjunto com os Padrões do Mar de 8 de Janeiro a 28 de Fevereiro), em madeira, têm alguma ligação com estas esculturas de exterior?
Aquele grupo de esculturas têm uma linguagem parecida, porque a mim me interessa muito a escultura arquitectónica: estes cortes rigorosos, o contraste com a forma orgânica do tronco. E são puzzles, tal como as peças de granito que também são cortadas e depois reencaixadas. A escultura que está na capa do catálogo é feita de três blocos que vieram de um tronco e que virtualmente se conseguem encaixar novamente.

De que madeira se trata?
É choupo, uma madeira bastante macia e fresca, um pouco como o eucalipto, mas com um acabamento bonito.

Como foi a organização deste projecto?
Foi organizado pelo Museu Jorge Vieira, em Beja, cujo director artístico é o Rui Pereira. Foi ele quem escreveu o texto do catálogo. O Jorge Vieira, que já morreu, foi o escultor mais importante do modernismo português. O Museu costuma organizar exposições de escultura que depois leva a outras câmaras, sobretudo do Alentejo. Têm também criado parcerias com a Horta e penso que também com a Terceira. Fazem muito este tipo de intercâmbios.

Quais são os seus critérios na escolha dos materiais com que trabalha?
Eu gosto muito dos materiais pesados, clássicos da escultura: a madeira, a pedra, o ferro, mas também já tenho utilizado nos últimos anos a implantação de meios multimédia na escultura, com monitores vídeo. Foi um projecto muito interessante que criei com um grupo de dança, uma bailarina, um coreógrafo e um músico. Fizemos uma performance que foi projectada em tempo real dentro das esculturas, que são parecidas com estas de madeira e depois implantei o monitor nas aberturas. Foi uma experiência nova muito interessante porque aqueles troncos com que trabalhei, deixei-os bastante em bruto, estes são mais acabados, aqueles foram modelados só com a moto-serra e resultou num contraste muito interessante com o vídeo. Em vez de criar uma coisa harmoniosa, tinha um contraste, que também funcionou, curiosamente.

Quanto tempo demora fazer uma escultura destas dimensões?
É sempre difícil dizer porque elas passam por várias fases. A primeira fase é sempre a de ter a ideia, e pelo menos quando são deste tamanho ou maiores, faz-se uma maquete ou desenhos e muitas vezes também o faço virtualmente, em 3D studio-max. Essa é a primeira fase. Depois é escolher os blocos mesmo, de pedra. E eu gosto muito de trabalhar nas pedreiras. A pedra da escultura que fica cá é do Alentejo, as outras três eram de Monchique. Eu gosto muito de ir às pedreiras e partir os blocos no local. Estes cortes aqui (os mais rigorosos) são feitos com máquinas industriais, são máquinas de fio. Outra fase é encontrar fábricas industriais que façam este tipo de corte e depois na última fase faço os acabamentos, já no atelier e que, muitas vezes, são feitos à mão.

Como esta textura exterior?
Não, é por isso que eu gosto de ir às pedreiras, porque isso é o resultado de técnicas de corte antigos, com cunhas, e os blocos saem assim, ficam até com pequenas marcas, que são buracos feitos com ponteiro à mão, depois levam umas cunhas em ferro, em aço, e parte-se a pedra. Eu aproveito já estas faces assim naturais. Essa é a razão de gostar de estar mesmo na pedreira, para controlar a extracção e a forma do bloco logo desde o início.

Algumas esculturas têm a particularidade de não mostrar onde encaixam, é preciso procurar bem...
A fixação... Pois, esta era um bloco, e eu cortei-a em dois e depois fiz uma fixação e juntei a pedra na posição original, fica com esta distância (um ou dois centímetros, que fazem com que a pedra de cima pareça levitar) que é a distância real original, o que falta é resultado do corte do fio, é material gasto. Depois levou quatro espigões em inox para manter as pedras com essa distância.

Está a trabalhar noutros projectos?
Fiz agora uma escultura em granito para um empresário em Braga, que também é um pórtico, muito grande. E estou a preparar dois simpósios, um em Felgueiras, que tem um tema um pouco complicado: "S. Paulo". Fez agora dois mil anos do seu nascimento e a Igreja Católica fez o ano das comemorações de S. Paulo: houve uma parte científica e histórica sobre o assunto e em Felgueiras organizaram um simpósio de escultura sobre este tema. É interessante mas não é propriamente fácil transformar isso em escultura. Também não quis entrar num figurativo tradicional de como foi S. Paulo. Por isso estudei um pouco o tema, ele foi muito importante a espalhar o cristianismo fora do mundo judaico, portanto foi o primeiro a evangelizar o resto do mundo. Ele, que tinha sido um grande defensor da ideologia antiga, converteu-se e foi tão radical e fundamentalista quanto antes o tinha sido pelo judaísmo. Como ele tem estas influências do velho e do novo testamento, fiz um livro partido ao meio, onde vai levar um vidro que é o corte na vida dele e também o corte entre o mundo judaico e o mundo cristão. E o outro simpósio, é em Vila Nova de Gaia, onde vou fazer uma peça um pouco parecida com estas, em mármore. Lá cada escultor tem 3 blocos de 1 x 1 x 1m, e essas limitações é que fazem o tema do simpósio. Por isso vai resultar numa escultura um pouco maior, com encaixes também ...

Em Portugal há boa pedra?Sim, foi a razão da minha vinda para cá, vim através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, num desses intercâmbios académicos. Na Alemanha temos muito pouca pedra, eu conheci artistas em Lisboa e escolhi um sítio, Pêro Pinheiro, perto de Sintra, que tem um centro de transformação do mármore e continuo a ter lá o atelier. Tenho todas as infra-estruturas, estou perto da capital, Lisboa, que é uma cidade da qual gosto muito... a princípio a ideia era ficar só um ano e depois vir de vez em quando só fazer alguns projectos, mas acabei por ficar cá. É viciante... Estou cá há quase 18 anos. E aqui este sítio é ainda mais viciante. Se pudesse viver do meu trabalho aqui, se calhar vivia nos Açores.

 O meu trabalho escultórico dos últimos anos está caracterizado por uma geometria simples mas com rigor e um alto grau de abstracção. Os temas iconográficos são pórticos, estelas com aberturas como janelas, são padrões de granito, pequenas arquitecturas esculpidas na rocha.


Aurora Ribeiro



Colaboradores:

Ilustração: Margarida de Bem Madruga
Entrevista: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Música: Pedro Nuvem
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Graça Tomé
Literatura: Flávio Gonçalves e Ilídia Quadrado
Ambiente: Dina Dowling


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