quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Edição nº 30




Crónica


Re(faial)izar


Eu era novo, demasiado novo, quando vim aos Açores pela primeira vez. Foi um pouco depois dos célebres protestos estudantis na República Popular da China e um mês antes da queda do muro de Berlim. Passaram-se, portanto, vinte anos, pude confirmá-lo agora com as fotografias guardadas no silêncio da gaveta. Foi amor à primeira vista. À semelhança dos amores duradouros, há dias com maior paixão e intensidade, dias claros e luminosos, outros nem por isso. Quando aqui estive, em 1989, ainda não tinha lido o livro de Raul Brandão “As Ilhas Desconhecidas”, nem o arquipélago açoriano era considerado o segundo lugar dos melhores destinos do mundo no turismo sustentável (segundo a revista “National Geographic
Traveler”). Porque nasci à beira-mar, fiquei com uma memória viva desse primeiro encontro, daí a nunca mais ter esquecido foi um passo de gigante ou o tamanho da montanha do Pico.
Há duas décadas fazer uma viagem a quatro ilhas dos Açores: Faial, Pico, Terceira e São Miguel, foi um profundo acaso na vida de um adolescente. Tudo aconteceu após ter escrito um artigo para a Antena 1, o programa “Os Jovens Encontram a Europa”, sobre um tema que gostaria de ver discutido no Parlamento Europeu: o desemprego. Três meses depois, tive direito a um prémio. O prémio foi uma viagem/visita com tudo pago ao arquipélago dos Açores durante oito dias, com estadia incluída. Era uma comitiva de estudantes muito novos: portugueses, espanhóis, italianos e alemães para além dos organizadores, todos eles ligados às emissoras radiofónicas dos países organizadores do respectivo concurso. Com a bagagem retida em Lisboa, a primeira ilha a visitar foi o Faial com o seu vulcão dos Capelinhos, o Cabeço Gordo, a Caldeira e a passagem natural pelo Peter Café Sport. Tudo isto superou a possível irritação com os haveres, tendo dado origem a uma grande aventura até ao aeroporto em carrinha de caixa aberta, um dia depois, dada as constantes alterações climatéricas que se faziam sentir e as oscilações naturais do percurso, pois nem tudo estava naquela altura alcatroado.
Recordo-me, muito para lá do postal turístico, da presença esmagadora do verde enquanto reflexo da força e poder dos elementos naturais: a abundância da água que caía, a irradiação
da luz e as suas variações cromáticas e, claro, as nuvens em constante mutação. E, evidentemente, a visão do Pico que também naquele momento nos enchia a vida…para além dos licores, que lá fomos beber dois dias depois. Os Açores assemelhavam-se, portanto, à “policromia orgiástica”, que mais tarde viria a descobrir no livro de Brandão. Os Açores eram assim a infância renovada, a possibilidade de reencontrar uma natureza ainda intocável e virgem que, para desencanto de muitos continentais, foi desaparecendo nas terras do litoral e, quem sabe, no interior. E, embora hoje se sinta um sentimento de “continentalização”, é o progresso dizem-nos, a paisagem é perene e imutável, continuando por isso sempre bela e de fácil contemplação.
Os Açores, para qualquer ser melancólico em crescimento, prolongavam e prolongam o espelho. Pode-se afirmar que, passados tantos anos, os Açores continuam a ser lugares imaculados de silêncio e de natureza rica na sua expressão mais vital e fulgurante, os tais “montes de fogo, vento e solidão”, descritos pelos primeiros navegantes. E, talvez por isso, há quem goste de contemplar e se sinta bem por aqui.




Fernando Nunes




Colaboradores:

Capa: Pedro Lucas
Crónica: Fernando Nunes
Música: Fernando Nunes
Cinema e Teatro: Aurora Ribeiro, Fausto Cardoso
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Paulo Oliveira
Ciência e Ambiente: Cláudia Oliveira, OMA
Gatafunhos: Tomás Silva

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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Edição nº 29



Crónica

As doenças das Cidades

A Requalificação urbana impõe-se, quando estamos em presença de núcleos urbanos “doentes”, que já não respondem às necessidades dos seus habitantes, residentes ou passantes.Esta desactualização das freguesias e das cidades, poderá verificar-se “dentro de portas” no edificado, ou seja, nas construções, ou “fora de portas” nos espaços urbanos livres, sejam praças, jardins ou nos circuitos pedonais (passeios) e viários (estradas e estacionamentos).Quando estamos doentes, quando o nosso corpo não responde da melhor forma às nossas solicitações, seja pelas dores que sentimos directamente nos músculos, nos ossos ou na... mente, seja pelo deficiente funcionamentos dos diversos aparelhos (circulatório, respiratório, digestivo,...) que fazem funcionar esta “máquina” que nos suporta, consultamos o médico de clínica geral e pedimos a sua ajuda na prescrição de uma receita médica. Se a doença persistir ou mesmo se agravar, então temos que consultar novamente um médico, mas especialista, tendo por objectivo uma acção mais direccionada ao mal de que padecemos.Da mesma forma, funcionam os centros urbanos. Quando não funcionam, quando sentimos “dor” ao percorrê-los, quando a fluidez de pessoas e viaturas é deficiente, há que consultar os médicos especialistas em cidades: os arquitectos, os urbanistas, os engenheiros, etc., consoante seja a especificidade do mal de que as cidades padecem.


Se a “doença” for num edifício, porque ameaça ruir, porque já não responde à actividade que nele se desenvolve, ou porque simplesmente é um mau exemplar de “arquitectura” que importa tratar, então estamos perante um problema edificado, cuja solução, mais ou menos complexa, é pontual e localizada, dizendo respeito ou afectando um número menor de pessoas, pelo que uma prescrição individual será suficiente.Se, pelo contrário, estamos perante uma cidade que “padece” e afecta toda uma população, no seu dia a dia, no seu bem estar, causando uma “dor generalizada” a todos os seus habitantes e passantes, então importa intervir com rapidez, determinação e eficácia, porque o “custo social” é maior, e porque poder-se-á estar perante o risco de uma “pandemia”, que poderá levar essa cidade à falta de atractividade, à desertificação.Nas cidades, as doenças terminais não acontecem por acaso, nem de um momento para o outro.Existem sucessivos sinais de aviso, que, tal como nos humanos, são alertas detectáveis se forem sendo feitas análises periódicas ao seu funcionamento, genericamente falando.O mal do património edificado e urbano é que não é acompanhado ao longo da sua existência pelos seus legítimos e mais directos responsáveis: os proprietários ou gestores da causa pública.


Os humanos devem consultar e fazer análises periódicas ao seu organismo, em laboratórios, pelo menos uma vez no ano (eu faço). E aos animais, fazemos o mesmo?As viaturas deverão fazer revisões anuais, em oficina credenciada (eu faço) e submeter-se às inspecções periódicas obrigatórias (aqui, todos fazem...).As construções (moradias, estradas e jardins), grandes investimentos particulares e públicos, raramente contam com essas revisões periódicas... Por vezes, quando surgem os problemas, a “doença” já está tão avançada, que o remédio já não existe...


Curioso, e lamentável, é que cuidamos melhor de um carro ou de um animal do que de nós próprios, da nossa casa, da nossa freguesia, ou da nossa cidade!É tudo uma questão de hábitos e de educação, ou será uma questão financeira e de prioridades, ou será, ainda e só, uma questão de interesses e de votos?


(Este é o primeiro artigo de uma série de quatro, que visam uma abordagem à arquitectura e urbanismo na cidade da Horta)

Paulo Oliveira




Colaboradores:

Capa: Pedro Gaspar
Crónica: Paulo Oliveira
Cinema e Teatro: Anabela Morais, Aurora Ribeiro
Ciência e Ambiente: Bruno Lacerda
Gatafunhos: Tomás Silva

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