sexta-feira, 18 de junho de 2010

Edição nº 41 (2.0)



Crónica
Indústrias Culturais e Criativas
Livro Verde é o nome dado a um documento elaborado pela Comissão Europeia com o intuito de promover a discussão e o debate sobre um determinado tópico, incentivando qualquer indivíduo e organização a contribuir e participar, resultando eventualmente na elaboração de um Livro Branco – um documento oficial onde constam uma série de propostas que mais tarde serão utilizadas como força motriz para a implementação de leis adequadas.
Com o objectivo de desenvolver o potencial das Indústrias Culturais e Criativas (ICC) surgiu um Livro Verde, publicado em Abril do ano corrente, que entre outras, levanta questões que pretendem averiguar quais são as melhores formas das ICC obterem financiamento ou como poderão estas servir de intermediárias entre as comunidades artísticas e criativas e a sociedade.
Na passada terça-feira realizou-se no auditório da Biblioteca Pública o colóquio Potenciar as Indústrias Criativas, organizado pela Direcção Regional da Cultura, onde a Associação Cultural Fazendo, representada por Pedro Lucas, apresentou diferentes propostas concretas aos desafios levantados pelo Livro Verde. Esta curta palestra estará brevemente disponível online no blog do Fazendo conjuntamente com um breve estudo sobre a Criatividade e as ICC. O propósito deste artigo é o de resumir de uma forma sucinta este estudo.

Uma breve nota histórica: No fim do século XIX a economia do mundo ocidental estava estabelecida como uma economia agrícola, não só o sector agrícola produzia o maior retorno monetário como também providenciava o maior número de empregos. Com o desenvolvimento dos meios tecnológicos a Revolução Industrial deu origem a uma mudança gradual de uma economia agrícola a uma economia industrial, de procura de mão de obra capaz de lavrar a terra à procura de mão de obra capaz de operar uma máquina, economia esta que se encontrava efectivamente estabelecida após a segunda Guerra Mundial. Contudo, nos últimos vinte anos temos assistido a uma nova mudança, agora de uma economia industrial a uma economia criativa. Enquanto no sector agrícola ou industrial o capital tomava a forma física de três sacos de batatas ou dez latas de atum, no sector criativo (que inclui as áreas de investigação, inovação, ciência, artes, cultura, etc...) o capital é maioritariamente intangível: o produto toma a forma de uma ideia. Como lidar com isto, é uma das grandes questões do Livro Verde.

Seis factos e uma constante
(1) Um ambiente estimulante leva à formação de redes neuronais mais complexas e mais estáveis (Susan Greenfield et al). Os avanços recentes na área da neurociência, em particular devido à descoberta da ressonância magnética, permitiram conduzir uma série de experiências que têm vindo lentamente a desmistificar conceitos como a consciência, a mente e a criatividade que outrora julgavam-se impossíveis de serem estudados recorrendo ao método científico. Hoje em dia sabe-se que a mente é uma construção única de cada indivíduo que depende da totalidade da sua experiência pessoal. Um ambiente estimulante faz com que as células cerebrais cresçam e criem mais ligações com outras células dando origem a diversos circuitos associativos que tomam o nome de redes neuronais. A criatividade é a capacidade humana que permite criar novas ligações entre diferentes redes, que ainda não tinham sido estabelecidas, ou seja, por outras palavras, permite ver uma determinada coisa de uma forma diferente.
(2) Não são as pessoas que vão atrás dos empregos, são as empresas que vão atrás do capital humano. Um estudo conduzido por Richard Florida et al confirmou que a escolha da cidade onde um indivíduo com formação superior quer viver precede a procura de emprego. Por esta razão as empresas tendem a deslocar-se para as cidades onde se encontra a mão de obra especializada.
(3) Existe uma correlação entre a desenvoltura cultural e o desenvolvimento económico. Através de outro estudo conduzido por Richard Florida et al concluiu-se que as cidades com uma economia em ascensão são culturalmente ricas, por outras palavras, estas cidade têm uma elevada concentração de membros da classe criativa.
(4) A confiança e o sentido comunitário, caso presentes nas empresas, conduzem à elaboração de soluções criativas. Um estudo levado a cabo por Manuel Castells et al a equipas de sucesso em inovação como a Nokia, Google ou iPhone, concluiu que a confiança entre os vários membros de uma equipa leva a uma maior troca de ideias e de informação enquanto que o sentido comunitário, a inter-ajuda e a partilha de objectivos comuns permitem uma combinação de esforços mais eficiente.
(5) A mão de obra criativa mostra um comportamento económico irracional. Um estudo feito por Dan Pink et al conclui que se escolhermos um qualquer indivíduo e oferecermos uma renumeração monetária extra em troca de maior produção, ou melhor qualidade de trabalho, em média observaremos o seguinte: se o trabalho for mecânico a renumeração leva a melhores resultados, se o trabalho envolver um mínimo de capacidade criativa a renumeração leva a piores resultados. A classe criativa é movida por autonomia, possibilidade de aperfeiçoamento das suas capacidades e por uma noção de objectivo – um propósito.
(6) A reinvenção do método escolar com base na abordagem a problemas reais e a envolvência das comunidades no sistema de ensino levam a um ambiente capaz de providenciar aos alunos um maior desenvolvimento das suas capacidades criativas (Charles Leadbeater et al).

Jardinagem da Criatividade: a visão do Fazendo:
Os factos acima apresentados levam-nos a concluir o seguinte: para que a criatividade surja é necessário criar as condições ideais. Dito de outra forma, para potenciar a criatividade é preciso vestir um “fato” de jardineiro: preparar o solo e dar condições à planta para crescer. Se puxarmos por uma tulipa com as mãos ela não cresce, mas se lhe dermos condições (luz, água, solo rico em nutrientes…) é provável que cresça. Da mesma forma, para que a criatividade surja numa cidade, é preciso que esta providencie as ferramentas, as estruturas e as estratégias necessárias. Mais concretamente é necessário instituir o espírito comunitário nas diferentes ICC; criar uma boa rede de transportes; facilitar a habitação no centro; criar pólos universitários e de formação; criar espaços de encontro entre a comunidade artística e criativa e a sociedade; criar espaços autênticos em concordância com a cultura local; combater o neo-analfabetismo; instituir a tolerância.

Algumas propostas concretas ao Livro Verde: Um resumo das propostas do Fazendo estará online dentro em breve, aqui destacamos apenas algumas:
- Encontrar métodos de envolver a sociedade nos projectos das ICC, transformando os utilizadores em criadores. A título de exemplo destacamos o projecto open source do linux ou a wikipedia – a enciclopédia que qualquer um pode modificar.
- Criar wikis* físicos como o Fazendo em que toda a comunidade pode participar dando o seu contributo para um objectivo comum – neste caso a publicação de um jornal.
- O poder local deve adjudicar de algumas das suas competências a instituições civis através da criação de protocolos. Um exemplo seria abrir a Semana do Mar à comunidade atribuindo a responsabilidade de organização de diferentes secções a diferentes grupos civis, à semelhança da entrega da organização do Festival de Teatro ao Teatro de Giz.

Jácome Armas



Colaboradores:


Capa: Matilde Marçal
Cinema e Teatro:
Pedro Juliano Cota, Fausto Cardoso
Arquitectura e Artes Plásticas: Rita Braga
Literatura: Carlos Cordeiro
Ciência e Ambiente: Eva Giacomello, Gui Menezes, Joana Vaz-Pereira, Orlando Guerreiro, Tiago Castro

Gatafunhos: Tomás Silva

O Fazendo nº41, é primeiro número da versão 2.0 deste jornal: não mudámos a imagem e tão pouco o conceito ou a estrutura, alterámos sim a experiência de leitura. Nos vários artigos do jornal inserimos inúmeras hiperligações para as referências de maior relevância presentes nos textos, de modo a possibilitar o aprofundamento dos temas tratados através de uma utilização interactiva e do acesso à informação em rede. Aproveite esta nova forma de ler o Fazendo...


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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Fazendo emprego


O Fazendo, a maior inovação na área de new media-folclore que o mundo viu nascer num passado recente, procura um novo membro para integrar a sua equipa:

  • Indivíduo jovem, inteligente, sensual, trabalhador, com sentido de humor e com um interesse genérico em artes, ciência, literatura, media e semelhantes formas de fazer pão.
  • Capacidade de auto-monitorização (como os carros) e interesse em obter resultados (como os carros também).
  • Capacidades de escrita que metam inveja ao Gonçalo M. Tavares.
  • Capacidades orais que ponham um ligeiro rubor na bochecha do José Rodrigues dos Santos.
  • Disponibilidade para passar uns tempos fora de casa.
  • Nem hippie nem yuppie.
  • Ecologista sem militância.
  • Do tipo Pro: pro-trabalho, pro-esforço, pro-didacta, pro-activo e com vontade de ser profissional.
  • Pro-eficiente em utilitários informáticos (processadores de texto, folhas de cálculo, networking, skype...) e com escritório próprio (isto é, um laptop).
  • Formação em qualquer coisa como marketing, comunicação ou jornalismo, e algum conhecimento da realidade Açoriana dão direito a um smiley com caneta verde no canto da folha.
  • Ao primeiro dia do mês de novembro do ano de dois mil e dez o índividuo tem de ser "candidatável" ao programa açoriano Estagiar T/L (a capacidade de interpretar palavras inventadas à pressão como neologismos é também importante)

A este/a jovem ser-lhe-à incumbida uma missão da maior importância no que a salvar o mundo diz respeito.
A partilha de interesse genuíno no projecto não é essencial mas a sua ausência dá direito a exclusão automática.

Cartinha electrónica com CV e apresentação simpática para vai.se.fazendo@gmail.com até 01/10/10.

Edição nº 40



Crónica

Ao abrir Baleia! Os baleeiros dos Açores, dei-me conta que, tal como para José Henrique Azevedo, a minha relação com este livro é uma história de família, pois que as histórias de baleação, o primeiro contacto com livros como os de Robert Clarke e até o conhecer do nome de Bernard Venables se fizeram pela mão do meu avô paterno.
À adolescência alimentada pelos sonhos do mundo marinho do capitão Nemo, de Júlio Verne (povoado de imensos monstros entrevistos pelas vigias do Nautilus que se descobriam depois simples seres dos mares), pela admiração da coragem, eivada de loucura, do capitão Achab de Melville ou pelos baleeiros de Vitorino Nemésio e Dias de Melo, juntavam-se um sem número de histórias que o meu avô evocava, fotografias desbotadas e livros que me adivinhavam uma vocação não realizada.

Paralelamente, na altura, a militância pelos direitos dos animais parecia-me respeitada pela desigualdade evidente da luta entre o homem, na sua pequenez absoluta, e o esplêndido animal, imenso de força e astúcia. Não que essa desigualdade redimisse a violência mas, quando comparada com a baleação industrial, parecia que aqui se deixava sempre uma hipótese ao animal, que não poucas vezes a aproveitava, semeando medo e morte, construindo uma epopeia em cada uma dessas saídas para o mar.

Nascida numa altura em que chegar ao Faial não passava por mais dificuldades do que embarcar num avião, pelas palavras de Venables dei comigo a deliciar-me com a ideia de que antes essa viagem tinha uma série de escolhos que permitia aos viajantes darem-se verdadeiramente conta das distâncias e das diferenças entre o sítio de onde saíam e o sítio onde chegavam, como se tal como ele viesse por mar, a bordo do Espírito Santo.

A memória é sempre um caleidoscópio construído, onde misturamos as nossas próprias vivências e o que nos foi contado mas, para quase todos os que aqui vivem, não será difícil identificar imediatamente os lugares e as personagens que Venables evoca, o João do Talho (uma viela estreita que dava lugar ao rescender dos cozinhados e o feitio severo que decidia por cada cliente, como se não fosse um restaurante mas antes alguém que abria a porta da sua casa), o café Sport (não a versão actual mas o pequeno reduto em que se vendia tudo e mais alguma coisa, embora já estivesse numa posição privilegiada, de frente para o porto, uma vigia do pulsar da própria ilha, das idas e vindas, mais do que um café, um fornecedor, aquele que satisfazia todas as necessidades dos que chegavam, lugar de partilha de histórias contadas um sem número de vezes, como se o tempo ali ficasse suspenso), o porto e as suas inúmeras embarcações.
O que talvez, pelo menos para os mais novos, será menos óbvio recordar são todas as descrições que se referem efectivamente à baleação.

Os baleeiros que Venables encontrou já não eram os que tinham conhecido os navios de New Bedford e de Nantucket (cujas descrições o levaram a interessar-se pelos Açores) mas continuavam a usar os mesmos termos técnicos que tiveram a sua origem na corrupção fonética dos termos ingleses (como o célebre blós), embora tivessem uma motivação bem diferente destes.

Nos Açores, independentemente da rivalidade entre as companhias e apesar do valor económico que a baleação tinha, o essencial estava na luta com o gigante, no desafiar o mar e o vento (na infância, a reprodução minuciosa de um bote baleeiro sempre me tinha fascinado, parecia tudo tão frágil e quando a embarcação se tornava verdadeira no cais, mais frágil ainda, como se podia crer que ali iam sete homens, mar afora, sem uma protecção digna desse nome?).

Nas palavras de Venables reencontro inevitavelmente as palavras do meu avô, a descrição do homem solitário que na vigia perscruta o horizonte em busca de um sopro, o grito “Baleia!” e a Walkiria que atravessa a doca, entra no canal rumo ao mar aberto, arrastando os homens para o perigo de morte (Venables teve aliás de assinar uma “Certidão de óbito” – um documento em que assumia que partia por sua conta e risco – para poder acompanhar os baleeiros). Mas, para aqueles que nada de pessoal liga a esta época, o interesse não se perde pois Venables descreve minuciosamente os instrumentos e os gestos dos homens, de tal modo que parece que o leitor, também ele, está no bote, segue os gestos do trancador, sofre em cada remo que desce e corta a onda, os músculos retesados num mesmo ritmo, anseia por uma morte que parece não vir.

Sem contemplações, com uma frieza descritiva, o relato que faz da caçada não lhe retira a violência nem esquece o sofrimento do animal, mas debruça-se inequivocamente sobre os gestos de cada homem, sobre as histórias contadas de acidentes e horríveis naufrágios, uma baleia que não se tranca ou que se perde no rebocar, esforço vão, relembra a “arena de sangue” em que o cachalote agoniza, o ciclo sem piedade de uma Natureza que molda o próprio homem.

Além disso, Venables debruça-se também sobre o que se segue à caçada, o reboque para a fábrica (e em Porto Pim esta ainda é um marco do passado, renovado agora numa nova vida, como se repetíssemos na pedra o eterno ciclo da vida), o “desmanchar” da baleia, o “scrimshaw” e as festas à senhora da Guia, os baleeiros que abandonavam as idas ao mar mas a quem o ribombar do “bombão” ou o grito de “Baleia!” atordoavam os sentidos, desenhando uma comunidade onde a baleação teve uma influência durável.

Graças a Venables, a memória é um livro reaberto, é novamente uma mão estendida mostrando a imensidão de areia dos Capelinhos, desenhando um rastro de espuma no mar, a voz do avô contando casos que tinham acontecido nos dezoito anos em que também ele vivia ao ritmo ditado pelos homens das vigias, as rivalidades com os homens do Pico, são os objectos que emergiam de uma loja atulhada, coisas herdadas de um tempo já esquecido.

Catarina Azevedo



Colaboradores:


Capa: Pedro Monteiro
Música: Zeca Medeiros
Cinema e Teatro:
Aurora Ribeiro, Fernando Nunes
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, CMH
Ciência e Ambiente: Lia Goulart

Gatafunhos: Tomás Silva

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