domingo, 19 de fevereiro de 2012

Edição nº 72

Crónica
  
A Criação de Lugares de Pertença Emocional


Como é que nos tornamos parte de uma identidade, de um lugar, de um sítio, de um território? Os mais afoitos e audazes dirão que a nascença dá-nos essa condição de pertença, mas o que também é verdade é que muitas vezes podemos pertencer a um espaço sem lá ter avoengos ou filiação remota. Como resolver semelhante dicotomia identitária? Na primeira viagem que fiz ao arquipélago, vinte anos depois, estive alegremente acompanhado por europeus todos muito novos, alguns adultos, conhecendo por entre as ilhas açorianos de origens diversas que nos falavam do estado do tempo e que eram, à altura, curiosos e excelsos anfitriões, amadores sinceros destas terras de maravilha. Que lidimas saudades. Recordo que aqui no Pico, não havia adega ou produtora dos melhores néctares que não tivesse incluída uma visita. Todos nós ficámos com lábio largo e sinceridade imediata após tamanho périplo etílico – in vino veritas. Convirá, por isso, recordar quase duas décadas depois a inusitada reacção de uma italiana que, após avistar a largura do horizonte do atlântico no cimo de um miradouro, desatou em compulsivo choro perante o olhar estupefacto de todos nós que a acompanhávamos. Face à surpresa e espanto da nossa reacção somente foi capaz de expressar que há muito não se sentia esmagada por tanto verde e azul em seu redor. Nós, incrédulos, respeitámos tamanha comoção. Em Setembro fará também quarenta anos que dois artistas plásticos – Tereza ArriagaeJorgeOliveira,nascidos no mesmo dia e com sete anos de diferença, percorreram a Ilha do Pico como se descobrissem em cada porção da ilha o puzzle da história pessoal e do romantismo em que estavam envolvidos. A realidade é que hoje continuam unidos nesse romantismo admirável que é deles e porque é só deles merece aqui ser evocado. A distinta escola primária de São Roque do Pico pôde presenciar a passagem deles por esta ilha através dos slides projectados numa parede branca com as marcas do tempo. Às vezes somos cúmplices de acontecimentos raros e únicos sem nos darmos conta, o que significa naturalmente défice de atenção e memória. Por que será que andamos tão distraídos? A nossa existência é, sem qualquer dúvida, um constante enigma por desvendar, procurando nestes lugares de pertença emocional momentos de epifania e revelação. Logo, estamos dependentes das acções e decisões que tomamos , muitas delas na demanda dos princípios que norteiam o nosso ser sem ter medo de assumir perantetudoeosoutrosquenos rodeiam que amamos o quadrado que habitamos. É que assim ficamos obrigados a cuidar dele, a desejá-lo a qualquer momento, numa procura constante desse pico existencial que nos devolva a felicidade, nem que seja por breves instantes. Devemos, por isso, caso assim desejemos, criar espaços de pertença emocional que sejam proporcionadores de momentos de liberdade, beleza, sinceridade, orientados para a multiplicação de energia e movimento, aptos a ser vividos e percorridos numa existência que se pretenda única e verdadeira!


Fernando Nunes

Colaboradores:
Capa: Julia Gentner
Cristina Lourido, Gomes da Silva, Helder José Neves Bettencourt, Joana Pontes, Maria Álvares, Nicolau Marques, Paulino Costa, Paulo Sampaio, Victor Rui Dores

Clicando no quadro seguinte poderá folhear, ler ou fazer download do jornal para o seu computador:

Sem comentários: