terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Edição nº 54




Crónica

Arquitectura, Natureza e Amor
Caríssimos leitores,

Enviaram-me há uns dias um texto do Gonçalo M. Tavares, intitulado Arquitectura, Natureza e Amor. Trata-se de um pequeno texto editado pela Editora Dafne na colecção editorial OPÚSCULO – Pequenas Construções Literárias sobre Arquitectura. Para quem estiver interessado em conhecer a colecção mencionada pode aceder à página Web da editora – www.dafne.com.pt

Ao ler o título do texto logo reagi à sua temática seguindo a orientação instintiva do significado imediato das palavras que o compõem. Arquitectura, Natureza e Amor, são palavras de peso diferente na nossa cultura contemporânea, se é que algum dia tiveram pesos similares! Juntar estas três palavras é por si só um extra-peso ao que, acredito, sentimos de cada palavra isoladamente. Mas, é esta ténue linha possível de unificação das três palavras que me suscita a vontade de querer partilhar convosco este texto e a supra-vontade de podermos receber na redacção editorial do Fazendo as vossas reacções, reflexões, interrogações, instintos – no fundo, que este repto vos faça, prezados leitores, expor a vossa moral e juízo em volta da Arquitectura, Natureza e Amor.

O sentido desta crónica é este repto.
Gostaria imenso de juntar uma série de textos nossos, publicá-los e durante algumas décadas, diria, as que nos restam! – e sejam bem vindos os vindouros * - discutirmos uma nova escala de peso e leveza para um novo passo cultural. Porque a tradição ensina-nos que a cultura não é estática. E a arquitectura é um muito bom exemplo da constante transição, progressão, retrocesso.

Escreve o autor:
“Se a cultura é a natureza já medida, encaixotada (ou de uma outra forma: se a cultura é parte da floresta que transformamos em vaso), a arquitectura é o expoente máximo do acto de medir, de controlar. A arquitectura é um medir não apenas quantitativo, mas um medir qualitativo. Digamos: um medir que se preocupa com a componente estética: o resultado da medição não deve apenas ser certo, exacto – verdadeiro – mas também confortável, agradável aos olhos – belo, portanto.”

E continua:

“Materiais concretos surgem no mundo humano apoiados/começados pela fita métrica (o humano infiltrado na natureza: tentativa de dominar, através da ordem do número, o animalesco que rodeia a cultura) enquanto os materiais do pressentimento surgem no mundo humano apoiados pelo instinto (instinto: esquecimento súbito, e com consequências, da racionalidade – o animalesco infiltrado no humano).

E mais adiante:

“A arquitectura deverá ser, entre outras coisas, uma ciência moral. Ciência moral mas não moralista. Isto é: não uma ciência que tenha como objectivo aumentar a moral do espaço, não: defender a arquitectura como ciência moral é defender a arquitectura como uma ciência que se preocupa com a relação entre as distâncias, tamanhos, cores, não apenas numa relação de verdade ou beleza, mas ainda, e, por último, numa relação de justiça.

A arquitectura procura o verdadeiro, o belo e o justo – tese clássica. Isto é: ao número não basta ser exacto, terá de ser também belo e justo.
Quantidades belas e quantidades morais. Atribuir adjectivos fortes a não--qualidades como são as quantidades: eis a dificuldade do arquitecto e de qualquer artista ou escritor.”

Depende de nós. Sempre depende de nós a reposição de uma nova escala.
“Leveza não é ausência de peso, mas, sim, presença de leveza. Unidades de Leveza? Precisamos pensar nelas, encontrar-lhes um bom nome.”, denuncia o autor.

E questiona:

“Que cidade para esta floresta? Com que cultura responder a esta natureza? Que medições (exactas, belas e justas) fazer? Em suma: que arquitectura?”

E qual a nossa reacção perante o seguinte dizer de Robert Musil, num dos seus primeiros ensaios, em 1911:
“ Não sou o único (…) a defender a posição de que a arte pode não só representar o imoral e o aborrecido, como também amá-lo.”

Para Gonçalo M. Tavares, como consideração final:

“ O que importa não é a verdade, a beleza ou a justiça de cada coisa olhada isoladamente; o que importa é o que resulta da relação entre as coisas, da ligação entre as coisas. A excitação individual não é classificável até assistirmos aos seus efeitos; a excitação (desejo de ligação) resulta na ligação erótica – a ligação erótica consumada entre casa e espaço (floresta-cidade, natureza-cultura) e só aí podemos julgar o trabalho do arquitecto.
<>, aconselhava o poeta René Char.
O que poderá fazer então o arquitecto? De um modo simples: medir o espaço; tirar o medo ao espaço de modo que a resultante seja o edifício sobre o qual os homens e as mulheres digam, entre si, alto: lá dentro curvo-me apenas por amor. Se tal suceder eis que o arquitecto não fez apenas arquitectura, fez/ construiu um fragmento do discurso amoroso.”

E para cada um de nós, potenciadores deste grito que considerações gritar?

Seremos capazes de tecer um sentimento partilhado e escutar o seu eco? Escrevam-nos.

“O animal não se esquece que é humano: mede, quantifica: procura a verdade.
O humano não se esquece que é animal: pressente, entusiasma-se, exalta-se: procura o belo.”

Albino

Colaboradores:


Capa: Eduardo Brito - Rua da Rosa vista da Travessa de Porto Pim
Música: Miguel Machete
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia,
Lacuna: Andreia Rosa
Literatura: Maria do Céu Brito
Teatro: Ana Luena
Cinema e Gatafunhos: Tomás Melo

Clicando no quadro seguinte poderá folhear, ler ou fazer download do jornal para o seu computador: