Crónica
Indústrias Culturais e Criativas
Livro Verde é o nome dado a um documento elaborado pela Comissão Europeia com o intuito de promover a discussão e o debate sobre um determinado tópico, incentivando qualquer indivíduo e organização a contribuir e participar, resultando eventualmente na elaboração de um Livro Branco – um documento oficial onde constam uma série de propostas que mais tarde serão utilizadas como força motriz para a implementação de leis adequadas.
Com o objectivo de desenvolver o potencial das Indústrias Culturais e Criativas (ICC) surgiu um Livro Verde, publicado em Abril do ano corrente, que entre outras, levanta questões que pretendem averiguar quais são as melhores formas das ICC obterem financiamento ou como poderão estas servir de intermediárias entre as comunidades artísticas e criativas e a sociedade.
Na passada terça-feira realizou-se no auditório da Biblioteca Pública o colóquio Potenciar as Indústrias Criativas, organizado pela Direcção Regional da Cultura, onde a Associação Cultural Fazendo, representada por Pedro Lucas, apresentou diferentes propostas concretas aos desafios levantados pelo Livro Verde. Esta curta palestra estará brevemente disponível online no blog do Fazendo conjuntamente com um breve estudo sobre a Criatividade e as ICC. O propósito deste artigo é o de resumir de uma forma sucinta este estudo.
Uma breve nota histórica: No fim do século XIX a economia do mundo ocidental estava estabelecida como uma economia agrícola, não só o sector agrícola produzia o maior retorno monetário como também providenciava o maior número de empregos. Com o desenvolvimento dos meios tecnológicos a Revolução Industrial deu origem a uma mudança gradual de uma economia agrícola a uma economia industrial, de procura de mão de obra capaz de lavrar a terra à procura de mão de obra capaz de operar uma máquina, economia esta que se encontrava efectivamente estabelecida após a segunda Guerra Mundial. Contudo, nos últimos vinte anos temos assistido a uma nova mudança, agora de uma economia industrial a uma economia criativa. Enquanto no sector agrícola ou industrial o capital tomava a forma física de três sacos de batatas ou dez latas de atum, no sector criativo (que inclui as áreas de investigação, inovação, ciência, artes, cultura, etc...) o capital é maioritariamente intangível: o produto toma a forma de uma ideia. Como lidar com isto, é uma das grandes questões do Livro Verde.
Seis factos e uma constante
(1) Um ambiente estimulante leva à formação de redes neuronais mais complexas e mais estáveis (Susan Greenfield et al). Os avanços recentes na área da neurociência, em particular devido à descoberta da ressonância magnética, permitiram conduzir uma série de experiências que têm vindo lentamente a desmistificar conceitos como a consciência, a mente e a criatividade que outrora julgavam-se impossíveis de serem estudados recorrendo ao método científico. Hoje em dia sabe-se que a mente é uma construção única de cada indivíduo que depende da totalidade da sua experiência pessoal. Um ambiente estimulante faz com que as células cerebrais cresçam e criem mais ligações com outras células dando origem a diversos circuitos associativos que tomam o nome de redes neuronais. A criatividade é a capacidade humana que permite criar novas ligações entre diferentes redes, que ainda não tinham sido estabelecidas, ou seja, por outras palavras, permite ver uma determinada coisa de uma forma diferente.
(2) Não são as pessoas que vão atrás dos empregos, são as empresas que vão atrás do capital humano. Um estudo conduzido por Richard Florida et al confirmou que a escolha da cidade onde um indivíduo com formação superior quer viver precede a procura de emprego. Por esta razão as empresas tendem a deslocar-se para as cidades onde se encontra a mão de obra especializada.
(3) Existe uma correlação entre a desenvoltura cultural e o desenvolvimento económico. Através de outro estudo conduzido por Richard Florida et al concluiu-se que as cidades com uma economia em ascensão são culturalmente ricas, por outras palavras, estas cidade têm uma elevada concentração de membros da classe criativa.
(4) A confiança e o sentido comunitário, caso presentes nas empresas, conduzem à elaboração de soluções criativas. Um estudo levado a cabo por Manuel Castells et al a equipas de sucesso em inovação como a Nokia, Google ou iPhone, concluiu que a confiança entre os vários membros de uma equipa leva a uma maior troca de ideias e de informação enquanto que o sentido comunitário, a inter-ajuda e a partilha de objectivos comuns permitem uma combinação de esforços mais eficiente.
(5) A mão de obra criativa mostra um comportamento económico irracional. Um estudo feito por Dan Pink et al conclui que se escolhermos um qualquer indivíduo e oferecermos uma renumeração monetária extra em troca de maior produção, ou melhor qualidade de trabalho, em média observaremos o seguinte: se o trabalho for mecânico a renumeração leva a melhores resultados, se o trabalho envolver um mínimo de capacidade criativa a renumeração leva a piores resultados. A classe criativa é movida por autonomia, possibilidade de aperfeiçoamento das suas capacidades e por uma noção de objectivo – um propósito.
(6) A reinvenção do método escolar com base na abordagem a problemas reais e a envolvência das comunidades no sistema de ensino levam a um ambiente capaz de providenciar aos alunos um maior desenvolvimento das suas capacidades criativas (Charles Leadbeater et al).
Jardinagem da Criatividade: a visão do Fazendo:
Os factos acima apresentados levam-nos a concluir o seguinte: para que a criatividade surja é necessário criar as condições ideais. Dito de outra forma, para potenciar a criatividade é preciso vestir um “fato” de jardineiro: preparar o solo e dar condições à planta para crescer. Se puxarmos por uma tulipa com as mãos ela não cresce, mas se lhe dermos condições (luz, água, solo rico em nutrientes…) é provável que cresça. Da mesma forma, para que a criatividade surja numa cidade, é preciso que esta providencie as ferramentas, as estruturas e as estratégias necessárias. Mais concretamente é necessário instituir o espírito comunitário nas diferentes ICC; criar uma boa rede de transportes; facilitar a habitação no centro; criar pólos universitários e de formação; criar espaços de encontro entre a comunidade artística e criativa e a sociedade; criar espaços autênticos em concordância com a cultura local; combater o neo-analfabetismo; instituir a tolerância.
Algumas propostas concretas ao Livro Verde: Um resumo das propostas do Fazendo estará online dentro em breve, aqui destacamos apenas algumas:
- Encontrar métodos de envolver a sociedade nos projectos das ICC, transformando os utilizadores em criadores. A título de exemplo destacamos o projecto open source do linux ou a wikipedia – a enciclopédia que qualquer um pode modificar.
- Criar wikis* físicos como o Fazendo em que toda a comunidade pode participar dando o seu contributo para um objectivo comum – neste caso a publicação de um jornal.
- O poder local deve adjudicar de algumas das suas competências a instituições civis através da criação de protocolos. Um exemplo seria abrir a Semana do Mar à comunidade atribuindo a responsabilidade de organização de diferentes secções a diferentes grupos civis, à semelhança da entrega da organização do Festival de Teatro ao Teatro de Giz.
Jácome Armas
Colaboradores:
Capa: Matilde Marçal
Cinema e Teatro: Pedro Juliano Cota, Fausto Cardoso
Arquitectura e Artes Plásticas: Rita Braga
Literatura: Carlos Cordeiro
Ciência e Ambiente: Eva Giacomello, Gui Menezes, Joana Vaz-Pereira, Orlando Guerreiro, Tiago Castro
Gatafunhos: Tomás Silva
O Fazendo nº41, é primeiro número da versão 2.0 deste jornal: não mudámos a imagem e tão pouco o conceito ou a estrutura, alterámos sim a experiência de leitura. Nos vários artigos do jornal inserimos inúmeras hiperligações para as referências de maior relevância presentes nos textos, de modo a possibilitar o aprofundamento dos temas tratados através de uma utilização interactiva e do acesso à informação em rede. Aproveite esta nova forma de ler o Fazendo...
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