quinta-feira, 14 de maio de 2009

Edição nº17


Pequenas arquitecturas esculpidas na rocha

Volker Schnüttgen esteve na Horta para a desmontagem da sua exposição Padrões do Mar, que nos últimos meses abriu janelas na Praça do Infante. Uma das quatro obras que compunham a exposição foi comprada pelo Município da Horta. E naquele jardim continua o seu diálogo com a paisagem envolvente, objectivo principal deste artista que nasceu na Alemanha, onde há pouca pedra e por isso escolheu Portugal para viver e esculpir.

Estas esculturas foram feitas para um local específico?
Elas foram feitas para um lugar na costa, isso sim. Originalmente eu tinha um projecto que era no Cabo de Sagres, na fortaleza, para fazer uma exposição com os padrões do mar. Comecei a fazer estas quatro peças e mais uma ou outra, mas o projecto nunca foi realizado. O IPAR não teve dinheiro, complicou e então ficou sem efeito. E como se trata de um espaço muito complexo, porque o Cabo de Sagres é muito histórico, muito visitado e há muitos interesses, acabou por ser cancelado. E eu fiquei com as quatro peças, muito triste, porque apesar de terem estado noutras exposições, nunca estiveram no local adequado. Tive a oportunidade de participar num projecto na Terceira e Graciosa e pus lá estas quatro peças pela primeira vez, sempre em sítios como este, perto do mar, perto da costa.

Segundo o catálogo, esta exposição vai ser exibida noutros locais e alguns deles ficam longe da costa. Como pensa enquadrá-los? Talvez na paisagem alentejana?
Sim, vão ficar de novo Padrões do Mar sem mar, e em alguns locais vão mesmo ser integradas em sítios urbanos. Mas o meu grande interesse é colocar sempre as esculturas em contexto com a paisagem.

Nesse sentido, como foi a escolha do Largo do Infante, como local de exposição para as obras?
Bom, eu recebi o convite do Museu da Horta para fazer esta exposição de quatro peças na rua. Já conhecia o Faial mas não me lembrava assim tão bem de todos os sítios. Também podia ter imaginado colocar as peças numa falésia, mas seria mais complicado ter público. E achei bonito o jardim com a fortaleza ao lado. Estas formas escultóricas têm muito a ver com fortalezas e castelos. Aqui temos de um lado o mar, do outro a fortaleza, o jardim também é bonito, e ainda esta vista fabulosa do Pico, sobretudo a que se tem do local da escultura que foi comprada.

Está muito presente esta ideia de moldura e de escadas, de passagem ou de entrada para a paisagem...
Sim, na maior parte houve essa preocupação. Por exemplo aquela escultura que estava mais do lado de lá (norte), que tinha aquela escada para baixo, estava pensada para um lugar em Sagres, onde ficaria mesmo na falésia, com a escada que depois daria continuação até ao mar. Aqui a peça não funcionou assim, funcionou só por si porque não tinha o contexto que estava planeado. Numa exposição temporária é sempre mais difícil encontrar os locais ideais.

E as esculturas que estiveram na sala de exposições da Biblioteca Pública (exposição O Avolumar do Habitat - esteve patente em conjunto com os Padrões do Mar de 8 de Janeiro a 28 de Fevereiro), em madeira, têm alguma ligação com estas esculturas de exterior?
Aquele grupo de esculturas têm uma linguagem parecida, porque a mim me interessa muito a escultura arquitectónica: estes cortes rigorosos, o contraste com a forma orgânica do tronco. E são puzzles, tal como as peças de granito que também são cortadas e depois reencaixadas. A escultura que está na capa do catálogo é feita de três blocos que vieram de um tronco e que virtualmente se conseguem encaixar novamente.

De que madeira se trata?
É choupo, uma madeira bastante macia e fresca, um pouco como o eucalipto, mas com um acabamento bonito.

Como foi a organização deste projecto?
Foi organizado pelo Museu Jorge Vieira, em Beja, cujo director artístico é o Rui Pereira. Foi ele quem escreveu o texto do catálogo. O Jorge Vieira, que já morreu, foi o escultor mais importante do modernismo português. O Museu costuma organizar exposições de escultura que depois leva a outras câmaras, sobretudo do Alentejo. Têm também criado parcerias com a Horta e penso que também com a Terceira. Fazem muito este tipo de intercâmbios.

Quais são os seus critérios na escolha dos materiais com que trabalha?
Eu gosto muito dos materiais pesados, clássicos da escultura: a madeira, a pedra, o ferro, mas também já tenho utilizado nos últimos anos a implantação de meios multimédia na escultura, com monitores vídeo. Foi um projecto muito interessante que criei com um grupo de dança, uma bailarina, um coreógrafo e um músico. Fizemos uma performance que foi projectada em tempo real dentro das esculturas, que são parecidas com estas de madeira e depois implantei o monitor nas aberturas. Foi uma experiência nova muito interessante porque aqueles troncos com que trabalhei, deixei-os bastante em bruto, estes são mais acabados, aqueles foram modelados só com a moto-serra e resultou num contraste muito interessante com o vídeo. Em vez de criar uma coisa harmoniosa, tinha um contraste, que também funcionou, curiosamente.

Quanto tempo demora fazer uma escultura destas dimensões?
É sempre difícil dizer porque elas passam por várias fases. A primeira fase é sempre a de ter a ideia, e pelo menos quando são deste tamanho ou maiores, faz-se uma maquete ou desenhos e muitas vezes também o faço virtualmente, em 3D studio-max. Essa é a primeira fase. Depois é escolher os blocos mesmo, de pedra. E eu gosto muito de trabalhar nas pedreiras. A pedra da escultura que fica cá é do Alentejo, as outras três eram de Monchique. Eu gosto muito de ir às pedreiras e partir os blocos no local. Estes cortes aqui (os mais rigorosos) são feitos com máquinas industriais, são máquinas de fio. Outra fase é encontrar fábricas industriais que façam este tipo de corte e depois na última fase faço os acabamentos, já no atelier e que, muitas vezes, são feitos à mão.

Como esta textura exterior?
Não, é por isso que eu gosto de ir às pedreiras, porque isso é o resultado de técnicas de corte antigos, com cunhas, e os blocos saem assim, ficam até com pequenas marcas, que são buracos feitos com ponteiro à mão, depois levam umas cunhas em ferro, em aço, e parte-se a pedra. Eu aproveito já estas faces assim naturais. Essa é a razão de gostar de estar mesmo na pedreira, para controlar a extracção e a forma do bloco logo desde o início.

Algumas esculturas têm a particularidade de não mostrar onde encaixam, é preciso procurar bem...
A fixação... Pois, esta era um bloco, e eu cortei-a em dois e depois fiz uma fixação e juntei a pedra na posição original, fica com esta distância (um ou dois centímetros, que fazem com que a pedra de cima pareça levitar) que é a distância real original, o que falta é resultado do corte do fio, é material gasto. Depois levou quatro espigões em inox para manter as pedras com essa distância.

Está a trabalhar noutros projectos?
Fiz agora uma escultura em granito para um empresário em Braga, que também é um pórtico, muito grande. E estou a preparar dois simpósios, um em Felgueiras, que tem um tema um pouco complicado: "S. Paulo". Fez agora dois mil anos do seu nascimento e a Igreja Católica fez o ano das comemorações de S. Paulo: houve uma parte científica e histórica sobre o assunto e em Felgueiras organizaram um simpósio de escultura sobre este tema. É interessante mas não é propriamente fácil transformar isso em escultura. Também não quis entrar num figurativo tradicional de como foi S. Paulo. Por isso estudei um pouco o tema, ele foi muito importante a espalhar o cristianismo fora do mundo judaico, portanto foi o primeiro a evangelizar o resto do mundo. Ele, que tinha sido um grande defensor da ideologia antiga, converteu-se e foi tão radical e fundamentalista quanto antes o tinha sido pelo judaísmo. Como ele tem estas influências do velho e do novo testamento, fiz um livro partido ao meio, onde vai levar um vidro que é o corte na vida dele e também o corte entre o mundo judaico e o mundo cristão. E o outro simpósio, é em Vila Nova de Gaia, onde vou fazer uma peça um pouco parecida com estas, em mármore. Lá cada escultor tem 3 blocos de 1 x 1 x 1m, e essas limitações é que fazem o tema do simpósio. Por isso vai resultar numa escultura um pouco maior, com encaixes também ...

Em Portugal há boa pedra?Sim, foi a razão da minha vinda para cá, vim através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, num desses intercâmbios académicos. Na Alemanha temos muito pouca pedra, eu conheci artistas em Lisboa e escolhi um sítio, Pêro Pinheiro, perto de Sintra, que tem um centro de transformação do mármore e continuo a ter lá o atelier. Tenho todas as infra-estruturas, estou perto da capital, Lisboa, que é uma cidade da qual gosto muito... a princípio a ideia era ficar só um ano e depois vir de vez em quando só fazer alguns projectos, mas acabei por ficar cá. É viciante... Estou cá há quase 18 anos. E aqui este sítio é ainda mais viciante. Se pudesse viver do meu trabalho aqui, se calhar vivia nos Açores.

 O meu trabalho escultórico dos últimos anos está caracterizado por uma geometria simples mas com rigor e um alto grau de abstracção. Os temas iconográficos são pórticos, estelas com aberturas como janelas, são padrões de granito, pequenas arquitecturas esculpidas na rocha.


Aurora Ribeiro



Colaboradores:

Ilustração: Margarida de Bem Madruga
Entrevista: Aurora Ribeiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Música: Pedro Nuvem
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Graça Tomé
Literatura: Flávio Gonçalves e Ilídia Quadrado
Ambiente: Dina Dowling


Clique aqui para obter a versão completa do Jornal: Edição nº17

Ou clique em baixo para ler Online:




Sem comentários: