segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Edição nº 50


Crónica
Cinquenta
Lembram-se que nos livros do Astérix, todas as histórias começavam com uma apresentação da aldeia em que diziam que estávamos no ano 50 A.C. e que nem toda a Gália estava ocupada pelos romanos? É uma datação especial, não só por ser sempre a mesma em todas as aventuras, como pela particularidade de ser 50 anos antes de Cristo. É especial o facto de dizer "estamos no ano de" e não "estávamos no ano de". Claro que em 50 A.C. ninguém dizia "Estamos no ano 50 A.C.", porque ninguém podia adivinhar que dentro de 50 anos ia nascer alguém cuja importância fosse suplantar a de Júlio César. E em 50 A.C. nem sequer tinha começado ainda a Era de César, que só teria início 12 anos mais tarde, em 38 A.C. Este exemplo só é para aqui chamado para nos situarmos na dimensão convencional do tempo e, mais concretamente, dos números.

É que o tempo conta-se assim: começamos num princípio que somos nós que escolhemos e, vamos por aí afora a contar o tempo de forma crescente. Normalmente há sempre mais e mais tempo acumulado. A menos que estejamos a falar de Mundiais de Futebol ou coisas assim Grandiosas como essas, em que se afixam uns grandes relógios/calendários a dizer "Faltam X dias" e o número vai decrescendo até chegar ao bombástico final, o zero, apito da partida.
Celebrar um aniversário, ou um Jubileu (que é quando se celebram 50 anos, ou múltiplos deste) só faz sentido num espírito de convenção. Porque tudo isto são invenções humanas. De "alguns" humanos... Os próprios números foram inventados. Um, dois, três e muitos é o total de percepção numérica que têm alguns animais e povos humanos.

Então, se isto é tudo invenção, coisas abstractas, porque é o 50 melhor ou mais importante que o 49 ou que o 51? Porquê também, assinalar a quinquagésima edição deste jornal? E nem são 50 anos. São só 50 edições...

Cinquenta é, sobretudo, um número de respeito. Deus disse que preservaria a cidade de Sodoma se encontrasse por lá 50 pessoas rectas. Não encontrou. Mas se tivesse encontrado! As outras podiam ser piores que o Diabo, que se houvesse 50 pessoas rectas, por causa delas, a cidade não estaria perdida. Cinquenta é então um número a partir do qual a coisa começa a ser sólida, a ter corpo, a existir!

No Antigo Testamento (Levítico 23: 14-16) contavam-se cinquenta dias desde a Festa dos Primeiros Frutos para celebrar o Pentecostes que significa em grego "Quinquagésimo". No Calendário Cristão, os cinquenta dias passam a contar-se a partir da Páscoa, para celebrar a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos… esta é, como se sabe, a mais característica festa religiosa açoriana.

E há a história das Danaides, da mitologia grega. A Danaides eram 50 filhas de Danao. O irmão de Danao, Egito, rei das Arábias e do actual Egipto, tinha 50 filhos: os Egitíades. Egito teve a ideia muito prática de casar os primos todos entre si, para preservar a linhagem, contra a vontade de Danao. Após ter perdido uma guerra, da qual teve que fugir, Danao foi obrigado a aceitar a proposta casamenteira, mas entregou a cada uma das raparigas uma adaga e ordenou-lhes que matassem o seu marido na noite de núpcias. Houve uma que não o fez (Hipermnestra poupou o noivo Linceu). As restantes 49 obedeceram ao pai e continuam ainda hoje e por esse motivo, no Tártaro, Hades, a encher de água um tonel sem fundo, num dos variados e imaginativos suplícios que os deuses gregos souberam inventar.

Por falar em casamentos, 50 anos do mesmo (as Bodas de Ouro), são o patamar mais glorioso da vida conjugal, que, ironicamente, se associam mais a uma batalha vitoriosa do que a um duradouro e áureo deleite.

O número cinquenta é também sempre o de uma metade. Não só em termos percentuais mas principalmente eles são a metade da nossa Esperança Plena de Vida, já que não conhecemos casos de imortalidade. Depois dos cinquenta, não há cá setenta e cincos… Os olhos ficam postos é nos 100.

Aurora Ribeiro

Colaboradores:

Capa: as 49 capas do Fazendo
Artes Plásticas: Ana Correia
Teatro e Cinema: Urbano Bettencourt e A.R.
Teatro e Cinema: Tiago Vouga
Ciência e Ambiente: Ana Sofia Matos e PNF
Gatafunhos: Tomás Silva

Clicando no quadro seguinte poderá folhear, ler ou fazer download do jornal para o seu computador:

Sem comentários: