sábado, 24 de dezembro de 2011

Edição nº70




Crónica
Considerações Equilibristas


“Todo o poder provém de uma disciplina e corrompe-se a partir do momento que se descuram os constrangimentos." Roger Caillois



Sempre admirei aquelas pessoas com a capacidade de se envolverem de corpo, alma e cronologia numa determinada e delimitada actividade ou filão.
As perspectivas, abordagens, teorias, teses e técnicas de válido interesse para muitos e diferentes fazeres e pensares (por vezes completamente antagónicos) são tantas, que escolher uma mais me parece acto de fé que de lógica.
Assim, e como homem de muito superficiais conhecimentos sobre a teoria quântica, comecei a achar que é mais fácil singrar numa carreira ou filosofia do que escolhê-la.
No que a política diz respeito, e para efeitos de análise superficial, vou polarizar o conjunto de escolhas possíveis em duas grandes tendências, cujas caracterizações devem ser tomadas como extremos no limiar da caricatura. São elas: 1) a dos que acreditam piamente que não passamos de animais evoluídos (ou super-animais) e que, mais ou menos mascarado, todo o acto é levado a cabo por instinto e 2) a dos que acreditam que somos seres de lógica e que, apesar de ancorados na nossa natureza animal podemos ultrapassar essas barreiras através da razão.
A título de pura representação, e porque em matéria de análise se deve dar nome às coisas, vou chamar-lhes capitalistas e comunistas.
Aos capitalistas vou-os ligar mais ao lado egoísta da natureza do
homem e apreciar-lhes a franqueza desarmante com que o admitem. Aos comunistas enalteço-lhes muito a intenção altruísta, apesar de amiúde dada a contradições e incoerências. Curiosamenteosprimeiros,defensores de um sistema mais pragmático e darwinista de organização social e económica, são normalmente homens de fé dados a acreditar nos desígnios de Deus, enquanto os segundos, defensores de um sistema idealista, são homens de lógica que preferem medir o destino em escala antropométrica.
O conservadorismo e o progressismo estão presentes em ambos os grupos, se bem que aplicados de forma diferente. Os capitalistas promovem
um progressismo técnológico e ao serviço da economia liberal, ao dispor de qualquer pessoa, ao passo que os comunistas apoiam o progresso ideológico e ao serviço da filosofia, ao dispordequalquercolectivodepessoas. Uns defendem um conservadorismo assentenastradiçõesculturaiseligado a valores de Deus, Pátria e Família (em ordem crescente de valor dos valores) e os outros o são mais prudentes no que diz respeito a novas conquistas da técnica, assentando os seus valores em Marx, Estado e Camaradas (ordem decrescente de valor dos valores).
O capitalista defende a competição como motor do progresso e caminho paraarealizaçãodopotencialhumano. Aqui são a necessidade e o impulso individual a alicerçar o desenvolvimento civilizacional. O comunista defende que todas as condições básicas de vida devem estar asseguradas a priori e que a homogeneidade social deve estar na base do sucesso de uma civilização. Os primeiros preferem esquecer que a organização colectiva e a cooperação são (e foram na nossa espécie) factores evolutivos essenciais, e os segundos optam por uma obliteração cega do instinto individual, na base de muitas das conquistas que pauteiam a nossa civilização.
Ambos os sistemas se fundam numa fé benevolente (e preguiçosa) em instituições dos homens - uns no mercado e os outros no estado - e como é sabido o homem tem imperfeições. Os comunistas não comem criancinhas, apesar de as quererem cozinhar, os capitalistas não são selvagens, apesar de não se importarem de comer criancinhas. Para que qualquer ideologia funcione na prática a cidadania não pode ser só um cartaz avenida abaixo quando as coisas correm mal - tem de estar lá sempre, atenta. Abdicar preguiçosamente do nosso dever enquanto cidadãos na esperança que outro o faça desinteressadamente é estúpido, e a estupidez, e a preguiça, pagam-se. Conhecimento não é um fim, é uma arma, e questionar é um acto de disparo, e até o papão tem medo do barulho das pistolas.



Pedro Lucas

Colaboradores:
Capa: Isabel Melo
Literatura: António de Vargem Perdigão
Teatro: Nelson Cabral
Fotografia: Cristina Lourido, Lara Topa
Intervenção: Cristina Lourido, Pedro Namorado, Grupo de EcoArteIn(ter)venção da Horta, Lia Goulart
Música: Victor Rui Dores, Guilhermina Machado
Ciência e Ambiente: Nuno Rodrigues - PNF

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sábado, 26 de novembro de 2011

Edição nº69



Crónica
Ilhas à Venda

Chamo-me Mário Jaleco. Em tempos já fui professor de Filosofia. Depois veio o desemprego e fui fazendo outras coisas, muitas coisas; algumas para me safar, outras por convicção. Presentemente, trabalho num Jardim e nas ruas limítrofes onde faço limpezas. A enxada, as vassouras, as luvas e os sacos de lixo, são as minhas ferramentas de trabalho. Aproveitei esta oportunidade em troca da suspensão do Rendimento Social de Inserção. Agradou-me o facto de trabalhar na rua e não em frente a uma máquina, num espaço fechado. Embora o trabalho, por vezes, seja um pouco duro e pesado, apetecia-me estar próximo de seres vivos, no seu habitat natural. E perto do Sol. E da chuva. E dos ritmos livres da Natureza, na sua expressão bruta. Tenho isso, para mim, como um privilégio. Estive, pois, desempregado vários anos... mas a trabalhar. Porque era um desempregado e um Voluntário. E também um desempregado voluntário. Assim mesmo, sem reticências nem vírgulas! Isto porque tinha escolhido ter mais tempo para... ter Tempo, precisamente. Aborrecia- -me ser dependente de trabalhos que não me realizavam só porque precisava de um salário que ainda por cima, se comparado com outros, era injusto e discriminatório. Aliás, é por essas e por outras que às vezes o dinheiro me chateia. Porque preciso dele – azar! – mas principalmente porque ele se sobrepõe cada vez mais às Pessoas, ao valor Humano e àquilo de que realmente precisamos, ou seja, de Nós mesmos e de nos recuperarmos. O dinheiro já não é algo que possuímos e a que atribuímos um valor; ao invés, agora é ele que nos possui e nos atribui um valor. Somos um Produto Interno dele e, pior ainda, um produto Bruto, que nos roubou de nós mesmos e nos trocou por outros valores, mais especulativos e irreais, mais absurdos e desumanos. E começámos a morrer. Porque somos humanos, lá está. Isto já começou a afectar-nos a Todos. Porque somos células de um mesmo e Imenso Organismo Vivo, o Planeta-Terra, que assim se desagrega e desmembra por ir contra a sua Natureza, vítima de uma infecção oportunista grave: o Ego-ísmo e a sede do lucro. Esse é o vírus que ataca a nossa verdadeira Essência – a realização e o exercício da Paz Interior, uns-com-os-outros, na Natureza que simultaneamente somos. Por isso o meu sonho é viver (mais) sem o dinheiro. Mais com menos, porque Menos é Mais. Como fazê-lo? Comprando menos (com) dinheiro e trocando mais serviços, potencialidades e capacidades. Afinal, todos Nós temos alguma coisa que o Outro precisa, não é verdade? E não se pense que isto é uma mera utopia ou uma ilusão tola e ingénua. Já se faz e há quem o pratique em pequenas comunidades, de serviços ou mesmo geográficas (Banco do Tempo, Feiras de Trocas, Eco-Aldeias, etc). Importa agora que essas experiências deixem de ser “ilhas”, convidando o resto do Mundo a pensar-Se assim, como Um Todo capaz de valorizar e realizar os Indivíduos na sua especificidade íntima, mas também enquanto seres iguais e interdependentes. É preciso passar da Globalização estandardizada, para algo mais Glocal e capaz de integrar as enormes minorias de que Todos somos feitos. A Unidade da e Diversidade. Seria mais saudável. Seria mais sensato. É um caminho a fazer-se. Aliás, foi por isso e para isso, porque quis acreditar poder concorrer para uma tal realidade, mais próxima, mais “pequena”, feita de e por indivíduos mais “chegados” e solidários, que cometi na altura a “loucura” de me excluir do mercado de trabalho. Queria viver e aprender a viver com menos dinheiro. Mais devagar. Mais Pequeno. Mais perto. Fui então espreitar. Aprender um outro Olhar. E (vi)ver como se fazia do lado “deles”, os “mais excluídos”, os mais “pequenos”. Comecei cá, em Portugal, e entretanto “dei o salto” para os ditos países sub- desenvolvidos. Vivi por lá uns tempos. Emprestaram-me casa e comida e eu paguei com o meu trabalho. A tal troca. Tá-se bem! Desta forma, voluntário a tempo inteiro, resolvi a questão do salário injusto, já que assim, embora não fosse bem pago, a verdade é que também não era mal pago – não era pago, simplesmente. Assunto resolvido, pois. Curiosamente, esta até me pareceu “a paga” mais justa e digna que alguma vez recebi. E a verdade é que, pouco a pouco, fui descobrindo não ser assim tão difícil viver com bastante menos do que estava habituado. Apenas é preciso fazer uns reajustamentos: despojarmo-nos de algumas coisas, redefinir prioridades, encontrar alternativas, mudar o cenário. Uma vez conheci uma pessoa que me disse o seguinte: “Escolhi viver com pouco dinheiro”. Afinal de contas, pode até ser uma opção de Vida (para os que têm a opção, sublinhe-se!) Nesses países vi(vi) coisas bonitas. Outras mais feias. Mas por isso mais completas. Aliás, essa coisa de nos fascinarmos por um País, um Povo ou uma Cultura (ou mesmo uma Pessoa), e ficarmos por aí, não é bem o que procuro e não me chega (às vezes não basta viajar, é preciso Ficar). Acho que só quando nos desiludimos e conseguimos ver para além disso, ver as contrariedades e os “defeitos” (note-se que a palavra partida em dois e lida ao contrário, fica “feitos de”), só nessa altura começamos a conheSer verdadeiramente. Depois só é preciso seguir em frente e escolher o lado que queremos valorizar e/ ou o que gostaríamos de mudar. Não foi fácil, é certo. E ainda não é. Quando nos expomos assim, a algo novo e diferente do que fomos sendo educados a pensar, falham-nos o chão e as referências a que sempre estivemos habituados. Mas, apesar de sentirmos o medo e o fascínio perante o Outro, “o estrangeiro”; apesar de sentirmos ainda o nosso próprio medo, de não compreendermos ou sermos compreendidos, percebemos que essa era, também, a possibilidade de aprendermos algo mais sobre Ele, sobre Nós Mesmos e sobre a Nossa Diferença. Na verdade, essa possibilidade era uma dádiva, uma oportunidade para partilharmos os nossos mundos e assim, dessa forma bonita, crescermos juntos (n)o Mundo. Por isso escolhemos ficar e confessar ao Outro que também Nós tínhamos medo. Aí foi quando por fim percebemos, que as nossas diferenças eram afinal iguais. E com isso aprendemos também o Respeito. Porque aprendemos, com gestos simples e verdadeiros, com “os sorrisos absolutos das crianças”, que não há nada tão valioso como sermos nós próprios no estado mais puro, que o que damos é o que somos. E que somos todos outros-uns- dos--outros. Mais uma vez, insisto: isso é o que faz de Nós-Um-Todo, uno e múltiplo, simultaneamente. Era pois importante percebermos, de uma vez por todas, que é na riqueza da nossa diversidade que reside a nossa Força. E que é precisamente nisso que somos todos iguais: ninguém escapa a ser diferente – está no nosso ADN. Considero-me, pois, um privilegiado por ter vivido (n)estas realidades tão diferentes. Poder escolher isso foi “um luxo”. Mas foi a minha escolha. E uma boa Escol(h)a. Porque aprendi e enriqueci imenso. E porque essa é a Riqueza que verdadeiramente interessa. Esse é o Valor Acrescentado. O meu Produto Interno Bruto. Hoje, é também disso que sou feito. Do que me ficou por dentro, no meu avesso. Esse património de afectos, paisagens- -retina, retidas no que a minha Memória fotografou. As Pessoas-Povo, as suas vidas e os rostos dessas vidas a Olhar para a Vida. Os seus simples e profundos Olhares. E, no fim, o meu olhar a olhar para Elas. Agora, neste papel, estou aqui a ver-me a olhar. Para mim? Para o Outro? Para Nós...porque somos o (auto-)Retrato do Outro.

Mário Jaleco


Colaboradores:
Capa: "Código Morse" de Laura Marques
Literatura: António Bulcão, Ulrike Alemoa
Cinema: Maria Leite
Intervenção: Cristina Lourido
Música: Victor Rui Dores, Luís Henriques
Ciência e Ambiente: Hugo Parra, Nuno Rodrigues - PNF



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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Edição nº68



Crónica
Ilhas à Venda

Em Março do ano passado, apareceu a notícia “Ilhas gregas são vendidas para fazer frente à crise que o país enfrenta”. Não se tratava das ilhas turísticas que todos bem conhecemos, aquelas que fazem parte do circuito habitual dos iatistas nos Mares Egeu e Jónico; nem tão pouco de ilhas habitadas. Tendo em conta que a Grécia possui mais de seis mil ilhas, e que apenas pouco mais de duzentas têm habitantes, o país bem podia vender algumas das desabitadas a excêntricos milionários. Afinal, quem, tendo dinheiro para tal, não gosta da realidade fílmica de possuir uma ilha no Mediterrâneo? No entanto, muito em breve se colocou outra questão. Porque não vender ou talvez alugar por um prazo longo algumas das ilhas mais turísticas (e habitadas)? Aí, já se começou a falar de ilhas tão conhecidas como Mykonos e Rhodes. Falou-se até da venda de parte dessas mesmas ilhas. Ninguém explicou muito bem como se faria a divisão: metade da ilha pertencia ao Governo Papandreou e a outra metade ficava na posse de um privado? Onde se traçava a linha imaginária que ia dividir a ilha a meio? Que direitos tem o privado face às casas e aos habitantes que moram na sua parte da ilha? Quem lá se desloca está, automaticamente, a trespassar terreno de outrem? E se o privado não fosse da União Europeia, os gregos que morassem na parte grega da ilha teriam de se munir de passaporte sempre que quisessem ir a esse terreno visitar a família que lá morava? Confuso... Os factos, porém, eram os seguintes: os dirigentes alemães – qui d’autre?... – aconselharam a medida de venda de ilhas ao Governo grego para fazer face ao défice público. Claro que tal conselho surgiu na sequência da ajuda da União Europeia e do empréstimo do FMI à Grécia. Os gregos “ganharam” 110 mil milhões de euros emprestados com juros e, com eles, uns quantos “conselhos” sobre como os pagar rapidamente. O Financial Times e o The Guardian especularam amplamente sobre o quanto podia render uma ilha grega ao Governo grego. Qualquer coisa como 2 a 15 milhões de euros. Nada de se desprezar. Investidores chineses e russos e milionários conhecidos como Abramovich manifestaram imediato interesse na compra dos paradisíacos bocados de terra e tinham planos para magníficos investimentos nos locais. Foi possível entrar em portais da net e “ver” certas ilhas à venda. Como exemplo, Nafsika, uma ilha do mar Jónico, estava em leilão por 15 milhões. Mas nem todas estavam tão bem posicionadas. Algumas ilhas vendiam-se por cerca de 2 milhões, ou seja, menos do que uma casa em certos bairros de Londres. Makis Perdikaris, director de uma empresa chamada Greek Island Properties, afirmou estar duplamente entristecido por “vender terreno do seu país e do povo grego” e ainda por ver que este era “o último recurso” da Grécia. Analistas internacionais acharam o caso “uma vergonha”; outros, com a mesma leveza, declararam que esta acção “prova[va] que a Grécia esta[va] a levar a sério o pagamento da sua dívida externa.” Entretanto, vieram desmentidos a público a par de re-afirmações da notícia e, apesar de eu ter muitos amigos gregos que vivem nos mais diversos locais da Grécia, nunca fui capaz de apurar ao certo se o Governo tinha vendido as ditas parcelas de ilhas ou não. E isto porque os gregos, actualmente, são os últimos a saber o que lhes acontece. Eu mesma já cheguei a informá-los de coisas que vi na televisão e que eles ainda não sabiam. Há uma espécie de sonegar de informação, suponho que – como eles me disseram – “para manter o povo sossegado e evitar uma revolução”. Como todos sabemos, as últimas notícias reportaram que a Alemanha está disposta a perdoar à Grécia metade da dívida desta. Ora, todo o perdão tem pouco de magnanimidade e muito de troca, como bem nos tem ensinado ao longo da História a Santa Madre Igreja. Pessoalmente, estou em crer que o perdão alemão está de olho no enorme exército da Grécia. À conta de muita guerra no curso dos tempos com os seus vizinhos turcos – para além de uma enorme complexidade com os macedónios e os cipriotas – e da sua posição geográfica mais ou menos frágil, a Grécia não abdica de um exército fenomenal. Para além de ter serviço militar obrigatório durante 9 meses (sem qualquer excepção para estudos) para todos os rapazes e serviço militar voluntário para as raparigas, a Grécia ainda hoje é o maior importador de armas da Europa e gasta muito do seu PIB em armamento. Curiosamente, segundo aqueles labirintos políticos do costume, os países europeus que cobram a dívida à Grécia (e.g. França e Alemanha) são os mesmos que lhe vendem armas... Mas claro que é bastante mais simpático receber o dinheiro do armamento, perdoar uma dívida e ainda ficar com o maior exército vivo da Europa a lutar por nós e sob o nosso comando, quando e se a gente quiser... Estou a contar uma pequena parte desta historieta porque agora com as medidas da Troika me ocorreu que Portugal não tem, nem de perto nem de longe, um exército que interesse à Sra Merkel. Que moeda de troca lhe havemos de dar? O Algarve seria uma boa ideia, mas os ingleses já o foram comprando devagarinho e o que resta não dá nem para saldar uma dívida de mercearia. E se fossem as ilhas, como primeiro ocorreu ao cérebro Papandreou? Ah, mas felizmente, nós, ilhas dos Açores, temos uma sorte estupenda. Primeiro, porque turisticamente somos quase desconhecidos. As pobres das ilhas gregas, não lhes bastava terem um clima espectacular como ainda estão no berço da Civilização Ocidental e atreveram-se a fazer do turismo a sua primeira fonte de recursos, tendo quem as visite por razões históricas e quem as visite por razões de sol e mar. Já os Açores, abençoados por Deus com um capacete de brumas quase todo o ano, e historicamente muito pouco relevantes no contexto mundial (vá... convenhamos!), não podem ter tais pretensões. Há mapas-mundo que nem contemplam a representação dos Açores. Temos muitíssima sorte! A Grécia recebe uma média de 18 milhões de turistas por ano e a esmagadora maioria destes vai visitar as ilhas. Os que de entre vós conhecem as ilhas gregas saberão que, se não fossem os turistas, elas não teriam muito mais de onde retirar lucro, para além de ovelhas, azeitonas e laranjas. Dizem-me que os Açores têm cerca de 160 000 turistas por ano - não encontrei estatísticas e acho um número inflacionado, mas ainda bem que não são mais! Ovelhas não temos, mas não esqueçamos que as nossas vacas parecem bastante felizes, segundo foi apreciado pelo próprio Presidente da República. Mas angustia-me o facto de, contrariamente à Grécia, possuirmos tanta boa infra-estrutura a todos os níveis: hotéis, marinas, estradas, restaurantes. Nas ilhas gregas, isto é tudo caseiro e rural. Só para dar um exemplo, em toda a Grécia, só há 50 marinas... Quem quiser amarrar barcos, amarra em bóias e salta para terra (o que nunca impediu ninguém de lá ir anualmente, inclusive eu mesma que por lá andei a navegar). Porque é que estou angustiada com isto? Porque imaginem se, por um infeliz acaso, um dirigente alemão – não esqueçamos que estes povos do Norte acham que Açores é “tropical” – tem a infeliz ideia de saber da nossa existência e sugerir a nossa venda ou aluguer ao Governo português? A minha grande esperança é que, dado que ninguém nos dá qualquer importância, se esqueçam que cá estamos. Caso contrário, imagino já o leilão na internet do Corvo, de Santa Maria, da costa norte de São Miguel... Felizmente, nós não valemos tanto que alguém nos queira comprar; aliás, nós damos muita despesa... Recordo um célebre estudo, defendido publicamente, da Universidade dos Açores que reflecte o assustador gasto que é manter cada ilhota açoriana cheia de povinho. Portanto, graças a Deus, ninguém nos há-de querer. Mas, pelo sim, pelo não, o melhor é não fazermos muito barulho. A não ser que queiramos aparecer no E-Bay com uma etiqueta: “Vende-se ou aluga- -se. Usado mas em estado razoável. Terreno produtivo. Clima húmido, nevoento, chuvoso, deprimente. Povo tranquilo e conservador, habituado a obedecer sem custo. Vacas felizes.”

Carla Cook


Colaboradores:
Capa: "Os meus dias em algumas horas" de Inês Ribeiro
Literatura: Aida Baptista, Catarina Azevedo
Música: Victor Rui Dores, RAS
Diferenças: Mano
Ciência e Ambiente: Nuno Rodrigues



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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Edição nº67


Crónica
A Imundar por aí fora

Engana-se quem pensar que a digressão do Imundação durou apenas dez dias. Foram longos os meses de trabalho forçado e de exploração infantil; muitas as escoriações e os calos nos dedos mindinhos. Mas por artes mágicas conseguimos sobreviver a estas tormentas e chegou o momento de nos fazermos à estrada, passando em Porto, Leiria e Lisboa. A invicta foi a primeira cidade, o Teatro Bruto os primeiros a nos receber. Acompanharam todo o processo de montagem, adaptação e ensaios, ajudaram na produção, e ainda cozinharam para nós. Fizemos 5 actuações: para a casa do norte dos Açores, para um grupo de estudantes, para amigos, família e totais desconhecidos. A plateia andou cheia (cenas inacreditáveis de pancadaria, tudo à procura dos últimos bilhetes) e as reacções foram positivas tanto dos mais novos como dos mais graúdos. Saímos do Porto contentes com a nossa prestação e fomos em direcção ao Sul, até Leiria, onde a Imundacao foi integrada no festival de teatro - acaso. Por acaso, ou porque a sorte protege os sortudos, o grupo de teatro o nariz, recebeu-nos com um maravilhoso almoço no seu novo espaço de trabalho. É de louvar a persistência deste grupo Capa que entre outros contratempos, foi “convidado” a procurar uma nova casa o ano passado, depois de 15 anos de dedicação/ manutenção/ dinamização do antigo espaço... Como o palco era diferente, exigiu uma nova adaptação, tanto das luzes como de cenário e da própria movimentação em palco. Há que entranhar primeiro e estranhar depois. Em Lisboa o tempo de montagem também foi curto mas, com a simpatia da equipa chapitoniana e a dedicação da nossa sonoplasta e produtor, a coisa correu sobre rodas. Tivemos a tenda do teatro a arrebentar pelas costuras (muitos foram os amigos e familiares subornados) e, talvez por ser a última actuação, tínhamos os nervos à flor da pele. Na verdade, o nó no estômago nunca nos abandonou, desde o Porto até à capital. Para mim, o único senão desta aventura do Teatro de Giz pelo Portugal continental: criar úlceras no estômago e a azia crónica. Fora esses pequenos pormenores, valeu muito a pena imundar toda aquela gente de fantasia, sarcasmo, cor, música e humor negro. Que seja a segunda de muitas digressões continentais!

Lia Goulart


Colaboradores:
Capa: Tomás Melo a partir de Slides de Tereza Arriaga e Jorge Oliveira
Cinema: Cineclube da Horta
Agenda: Laura Marques
Literatura: Aida Baptista, Catarina Azevedo
Música: Victor Rui Dores
Intervenção: Cristina Lourido, Inês Cunha
Ciência e Ambiente: Berta Solé e Nuno Rodrigues



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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Edição nº66




Crónica
Domingo de Manhã

Domingo de manhã. Por um segundo a escuridão é interrompida pela luz dos números digitais do relógio despertador accionada pelo comando remoto. 07:03 AM. Daniel estava acordado há horas e já não aguentava mais estar na cama sem dormir. Cuidadosamente levantou-se, tentando não incomodar o corpo que dormia a seu lado. Após um duche rápido e [depois] de se ter arranjado dirigiu-se à cozinha para comer qualquer coisa. Ao entrar na sala foi banhado pelos primeiros raios de sol que entravam através da parede totalmente envidraçada. A visão da montanha do Pico entre o Monte da Guia e o Monte Queimado, sob a luz da aurora, melhorou a sua disposição não tendo sido, no entanto, suficiente para acabar com a neura de tantas noites mal dormidas. Preparou um chá verde com limão e, enquanto esperava que este ficasse a uma temperatura razoável para os seus lábios, ia trincando uns biscoitos e folheava a agenda cultural da cidade à procura de alguma coisa para fazer durante o dia. Do seu apartamento do 25º andar num dos inúmeros arranha-céus de vidro e aço da rua do Castelo conseguia ver a metrópole que se estendia por todas as encostas, com excepção dos montes de Porto Pim, bem como a ponte de ligação rodoferroviária à ilha do Pico e os vários ferrys que, apesar da hora matutina de fim de semana, já cruzavam o canal a um ritmo alucinante. Daniel observava a cidade enquanto a sua cabeça vagueava por outras paragens. O barulho de água na casa de banho chamou a sua atenção e ficou a olhar para a entrada da sala à espera que um vulto feminino surgisse. 
- Já te levantaste? 
- Fui só à casa de banho mas estava a pensar voltar para a cama, se não te importares que não te faça companhia hoje. 
- Claro que não. Sei que foi uma semana cansativa para ti, por isso mereces preguiçar o dia todo. 
- E o que é que pensas fazer hoje? 
- Para já estava a pensar se havia de tomar o pequeno almoço fora. 
- Parece-me um bom plano. Já decidiste onde? 
- Pois, esse é que é o problema. Não me lembro de nenhum sítio a que me apeteça ir. 
- Daniel, existem pelo menos 500 cafés neste lado da ilha, não me digas que não há nenhum que te encha as medidas. 
- Para ser sincero, não. (risos). Eu sei que parece estranho mas apetecia-me ir a um sítio calmo, com pouca gente. Apetecia-me ver um pouco de verde. 
- Porque é que não vais até ao Roosevelt Park? 
- Está vento. Não me apetece andar ao vento. 
- (Risos). Sabes perfeitamente que naquele vale não corre uma aragem. Tu adoras aquele parque, o que é que te está a incomodar tanto? 
- É domingo de manhã e vai estar um belo dia de Verão. Daqui a uma ou duas horas vai estar cheio de gente. 


 (continuação:) 


- Pois. Mas se o que procuras é paz e sossego é melhor ficares aqui comigo, porque não vais encontrar sítio mais calmo nestas ilhas. 
- (Risos). Parece-me tentador, mas já não aguento mais estar na cama. 
- Eu sei. 
- Que é que achas de irmos viver para uma ilha deserta no meio do Pacífico? 
- Parece-me óptimo, excepto um pequeno pormenor. Assim pequenino. 
- Sim? - Creio que não deve haver muito trabalho para uma tradutora e um livreiro numa ilha deserta... 
- Achas que não? (Risos). 
- Além disso não creio que fosses capaz de viver longe disto, da livraria dos teus pais, dos museus, dos teatros ou dos espectáculos de dança contemporânea. 
- Se forem todos tão bons como o de ontem à noite não lhes vou sentir grande falta. 
- Que mauzinho. É verdade que não foi das melhores coisas que cá passaram, mas há-de haver muito melhor, e tu sabes disso. 
- Sim, sei disso... Hoje é a inauguração da retrospectiva de Picasso na Casa das Artes. Quando é que queres ir ver? 
- Hum, deixa passar umas semanas, esperamos que deixe de ser novidade e, quando tiver menos gente, vamos com alguma calma. 
- Ok. 
- Daniel? 
- Sim? 
- Para o mês que vem temos de ir a Londres ver os meus pais. Que dizes de tirarmos mais uns dias e irmos até à Escócia fazer umas caminhadas junto aos lagos? 
- Parece-me uma excelente ideia. Pena que não seja já hoje. Daniel recebe um beijo reconfortante e deseja bons sonhos enquanto a vê voltar para o quarto. 
- Alice? 
- Diz. 
- Já alguma vez imaginaste como seria a Horta se não se tivesse tornado sede das Nações Unidas? 
- Nunca pensei nisso mas posso dizer que provavelmente os teus pais nunca se teriam conhecido e, em último caso, tu não existirias. Não consigo imaginar cenário mais horrível. (Sorriso). 
- Obrigado por palavras tão simpáticas, mas a sério. Já imaginaste como seria, sem tudo isto? Achas que haveria alguma livraria, ou museus e teatros, ou seria uma cidade pacata envolta em paisagens intocadas? Será que ainda haveria golfinhos ou baleias nestas águas, e outras aves para além das gaivotas e pardais? - É possível, não sei. Mas acho que já encontraste com que te entreter, caso não encontres nada melhor para fazer hoje. - Quem sabe?... Bons sonhos.

Miguel Valente


Colaboradores:
Capa: Vitor Azevedo

Música: Luís C. F. Henriques e Victor Rui Dores
Literatura: António da Vargem PerdigãoIntervenção: Lara Topa Mendes, Sílvia Lino, Margarida Fernandes
Teatro e Cinema: Victor Rui Dores e Gonçalo Tocha
Diferenças: Mano


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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Edição nº65




Crónica
A Megalomania do Fazendo

O Fazendo - um conjunto de 8 pequenas folhas e, quem diria, com estatuto de Sr. jornal, publicado quinzenalmente e impresso apenas 400 vezes por edição para uma população mundial de 6 biliões de leitores - tem, apesar da sua aparente pequenez, tendência para a elaboração de planos megalómanos, irracionais e de incrível ousadia. Ilustremos com um exemplo: o Fazendo pensa que os Açores são uma só ilha. Imaginem então o espanto de qualquer um quando o Fazendo diz que os barcos servem apenas para andar à roda. Perguntam-lhe: ouviste falar da viagem terrível do cruzeiro do canal quando este ia do Faial para o Pico? O Fazendo fica confuso porque sempre que olha para o Pico não vê mar e, quando olha para o cruzeiro do canal, está sempre encalhado. O paradoxo, explica-se, reside na raiz do conceito de ‘distância’ entre uma coisa e outra. As pessoas pensam que ‘distância’ se mede em metros, quilómetros ou milhas mas não é bem assim. A ‘distância’ entre uma e qualquer outra coisa é relativa: depende da vontade. Se a vontade é pouca há mais mar e menos terra e se a vontade é muita há mais terra e menos mar. É por isso que o Fazendo diz, de quando a quando, que um dia, durante uma travessia do Faial ao Pico, os 400 metros de profundidade do canal se vão reduzir a 10 centímetros, o cruzeiro vai encalhar sem o mestre Almeida entender bem porquê e as pessoas vão calçar as suas melhores botas de cano ou montar as suas vacas mais robustas e continuar a travessia até ao Pico. Ainda assim, mais tarde aparece um espertalhão que exclama: a distância pode reduzir-se mas cada ilha continuará pintada da mesma cor. É verdade, a cada ilha a sua côr: o Faial é azul, a Graciosa é branca, o Pico é cinzento... o problema é que o Fazendo sofre de um agudo e extremo daltonismo. Mostram-lhe uma bandeira azul e ele vê uma verde, mostram-lhe uma amarela e ele vê uma vermelha, e por aí fora. A discussão foi sempre tanta que o Fazendo resolveu comprar uns óculos da Ray Ban, da mais alta categoria, com os quais qualquer cor aparece como a junção de todas as cores e tudo aquilo que não tem cor não aparece. Resumindo, a megalomania ingénua do Fazendo tem como objectivo pegar em nove pequenos pedaços de terra e fazer deles um só, sem cantos, sem partes e sem bandeiras. Esta 4a versão do Fazendo com um design fresco, elegante e moderno, cuidadosamente criado por Lia Goulart, é um pequeno passo na direcção de encalhar o cruzeiro do canal. A partir de agora a grande e majestosa agenda cultural que se encontra no verso do jornal será conjunta com a programação cultural do Pico, onde constará também o horário das lanchas. Mas não é tudo. As portas estão abertas no que diz respeito a colaboradores e coordenadores residentes ou naturais da ilha do Pico e mais além, como a artistas e designers. Entretanto, a tiragem aumentou para 500 exemplares, alguns dos quais serão transportados por couriers, treinados na arte de Moisés, até ao Pico. Para além de projectos megalómanos, o Fazendo tem uma agenda escondida de menor escala: a de reduzir a distância entre as pessoas através da colaboração e cooperação conjunta. Com este propósito foi introduzido no jornal uma temática extra com o intuito de dar lugar a intervenções artísticas, poemas, divagações inter-galácticas ou de promover a plena e simples discussão do panorama actual. Convidamos, como sempre, todos os interessados a participarem e esperamos que novos laços se criem, novas ideias se formem e que a vontade cresça.

Jácome Armas



Colaboradores:

Capa: Lia Goulart
Crónica: Cristina Lourido
Arquitectura e Artes Plásticas: Diana Santos e Jesse James Moniz
Ciência: Sílvia Lino
Intervenção: Catarina Krug
Música: Victor Rui Dores
Diferenças: Mano

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segunda-feira, 25 de julho de 2011

Edição nº64


Editorial

Fechamos a terceira temporada do Fazendo com os resultados do concurso ‘Fazes?’, promovido em parceria com a ES Manuel de Arriaga. Mais umas vez contámos com uma excelente participação dos alunos e recebemos um variadíssimo leque de trabalhos. Da fotografia mais simples a montagens mais ou menos elaboradas, da colagem ao desenho, vários géneros de trabalhos gráficos e uma surpreendente dose de propostas de cariz interventivo espelham a diversidade de abordagens que nos foram submetidas.

Com este concurso pretendemos também criar uma janela entre a escola e o resto da comunidade ao dar a oportunidade aos estudantes a criar trabalhos que poderão saltar para fora do âmbito escolar. Neste sentido, para além do trabalho vencedor patente na capa desta edição, são seleccionados alguns trabalhos que serão expostos em vários outdoors espalhados pela cidade.Envolver, estimular, discutir, promover. São estas as linhas que têm orientado o Fazendo ao longo dos últimos 3 anos e que ambicionamos continuar a seguir no futuro. Sempre com mais pessoas, mais ideias, maior diversidade e maior dinamismo. Um grande bem haja a todos os colaboraram neste projecto, a todos os que nos contactaram com ideias e propostas e que nos abordam com palavras de estímulo ou de crítica e que nos ajudaram a melhorar. O Fazendo é um organismo colectivo e dinâmico que vive da envolvimento e colaboração de todas as partes.

O nosso e-mail é o vai.se.fazendo@gmail.com, os sites fazendofazendo.blogspot.com e facebook.com/assoc.fazendo, o telefone 967567254 e cremos que não será difícil encontrar-nos num qualquer ponto da cidade da Horta. Até Setembro.

Fazendo


Colaboradores:



Capa: Rui Morisson
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Hortaludus

Teatro e Cinema: Luís São Bento
Literatura: Paulo Mendes
Ciência: Carla Dâmaso
Gatafunhos: Tomás Silva



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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Edição nº63



Crónica
Devagar que estou com pressa
A história de uma viagem para ler sem pressa


Sol. Chuva. Sol. Chuva. Sol. E mais uma volta à ilha. Velocidade média: 27,5 km/h, alternada entre 15 km/h, em subidas, e 40 km/h, em descidas. Tempo de viagem: duas horas e meia, mas poderia ter sido um pouco menos, não fosse aquele tractor que calmamente desfilou, à nossa frente, durante um terço do caminho. Meio de transporte: veículo apelidado de “Meireles”, com grave problema de ejecção e totalmente abstraído de conceitos como “aceleração” e/ou “velocidade”. Viajantes: três jovens raparigas, para quem, o facto de habitarem num planeta redondo, com vulcões, não passava de uma lembrança remota.

No meio do Atlântico, há um lugar.

Um lugar que, para alguns é a casa, para outros um porto de paragem e para outros, ainda, um parêntesis na sua vida. Esse lugar está coberto por um pano verde, malhado às vacas, pontilhado por hortênsias e rematado de areias pretas que, de tão negras, iluminam o ciano do mar. Nesse mesmo lugar, há vulcões. Vulcões vivos. Sim, porque os geólogos disseram- -nos que os vulcões não morrem, só adormecem, e que o seu cume pode abater abrindo uma caldeira como esta, no cimo do pano — uma provocadora de cartasses, um elogio à natureza e, ao que chamamos, de forma tão abstracta, paisagem. No alto dessa caldeira, há uma linha. Um limbo percorrível que separa esse elogio de todo o resto.

Nesse todo o resto, a interromperem um horizonte não horizontal mas sim curvo como o mundo, vêem-se estendidas outras ilhas que são outros lugares com outras vidas, outras vacas e outros vulcões. Num desses vulcões cresceu, no seu topo, um piquinho. Um dia, esse piquinho passou a ser o nosso o objectivo. Subimos, então. Subimos. Subimos. Até que, num momento, parámos. Olhámos para trás. E, de um amigo coberto de branco, escutámos: “olhem a ilha de bruma”. De facto, lá estava ela, à nossa frente, esparramada em forma de tartaruga, protegida por uma carapaça de nuvens densas, compactas... E o sol se pôs atrás da tartaruga. Veio a noite. O vento e o frio.

A mãe natureza no seu estado puro, duro e líquido. Fingimos que dormimos. Acordámos. Na madrugada, o sol surgiu por cima das nuvens. Abaixo de nós, um manto branco intransponível a olho nu. E ali estávamos nós, a cumprir as fantasias de uma infância onde sonhávamos andar sobre as nuvens. Mas, nas nuvens não se anda, quanto muito atravessa-se; e uma inocente imagem não é a natureza. E lá está: o frio queima, a humidade molha e o vento dói. A natureza dilacera-nos e nós nos sentimos vivos. Vivos, vamos à procura de outras ilhas, à procura de outros lugares, de outras pessoas. Em frente, do outro lado do canal, uma espinha dorsal, emergida do mar, transforma-se num novo objectivo. Fez-se planos mas, no erro do plano, a surpresa aconteceu. Então, entre o cinzento do céu e verde da terra, aprendemos sobre os vulcões, os sismos e os tsunamis. De repente, o tempo imensurável torna-se curto e temos de voltar à ilha de bruma.

Entre as ondas, a feliz coincidência: o reencontro entre pessoas. Desse reencontro, um convite. Desse convite, um jantar. E, no fim, num extasiante curto espaço de tempo, lá estávamos todos nós sentados à mesa de uma casa, neste lugar, no meio do Atlântico.

Sara Orsi





Colaboradores:


Capa: Aurora Ribeiro, Jácome Armas, Tomás Silva
Arquitectura e Artes Plásticas: OMA
Literatura: Miguel Machete
Ciência: Sílvia Lino e PNF
Gatafunhos: Tomás Silva


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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Edição nº62



Crónica

Correm duas histórias convencionais sobre os Açores: uma história de fascínio e uma história de evasão. A primeira tende a ser contada pelos forasteiros, enquanto a segunda pertence aos que nasceram no arquipélago ou para aí foram desterrados. São perspectivas complementares em vários sentidos.

O fascínio exerce-se de modo subtil: é preciso romper através da bruma que forra estas ilhas e as afasta da imaginação dos viajantes que anseiam por destinos mais exóticos; já a segunda impressão é opressiva e não encerra nenhum mistério: o espaço insular é limitado e de difícil acesso, o que faz com que todos os seus habitantes acabem por saber uns dos outros, tornando difícil viver a magia do anonimato proporcionada pelas grandes cidades.

Ambos os movimentos têm conhecido desvios e elipses interessantes, motivados pela chegada de novos personagens — dos velejadores, aos professores, investigadores e operadores turísticos, passando pelos intelectuais e artistas estrangeiros de que nos fala Vicente Jorge Silva, pelos comerciantes chineses e ciganos, ou ainda pelas famílias insulares que se foram espalhando por vários pontos do arquipélago. Pode ser que um dia a diversificação dos pontos de vista acabe por dissolver a impressão de complementaridade. Em todo o caso, essa complementaridade traduz um genuíno problema antropológico que se resume da seguinte forma: que experiência se enquadra na formidável paisagem deste arquipélago?

O fascínio de Raul Brandão pelos habitantes do Corvo advinha precisamente da procura de uma forma de vida que encaixasse ali, na mais extrema das ilhas, e que pudesse fazer escola, fundar uma civilização. Era também esse o propósito das dissertações de Nemésio sobre a «Açorianidade», que todavia não deixam de ser sensíveis à questão — na verdade, recorrente — do «emparedamento do ilhéu».

O próprio Brandão cedo compreendeu as limitações duma antropologia insular («todos os dias os mesmos gestos e repetindo sempre a mesma meia dúzia de palavras até à morte»), e não é por acaso que o seu olhar se desvia tantas vezes para o mar e para o céu, para os grandes relevos das ilhas, para os recortes das suas costas, para as falésias cobertas de vegetação. Dir--se-ia que naturalismo e etnografia constituem mundos separados n’As Ilhas Desconhecidas.

De facto, não é fácil conjugar as duas coisas quando se recorre a uma visão empedernida e pontualmente romantizada do autóctone, como a que tem marcado a antropologia açoriana.

Por seu turno, o nexo entre espaços insulares e civilizações alternativas (ou desconhecidas) constitui um tema persistente do imaginário ocidental moderno, impedindo o reconhecimento de que a verdadeira vocação das ilhas assenta sobretudo na contra--civilização, no que não pode fazer escola. Voltamos portanto ao ponto de partida: que formas de vida se ajustam a este cenário que sejam capazes de suplantar as histórias complementares de atracção e repulsa? Em jeito de resposta, apenas consigo evocar o relato de um amigo que passou um verão nas fajãs da mítica ilha das Flores, com uma tenda por abrigo e amoras silvestres por alimento, qual Heraclito reencarnado. Objectar-se-á que também isto é romantizar, e que tais experiências são sobretudo um produto da interioridade, podendo ser vividas em qualquer parte do mundo — mas essa seria uma objecção banal, por não reconhecer que o romantismo se alimenta sempre de uma qualquer miséria, e, principalmente, por descurar a verdura pujante das fajãs, a agitação curiosa do mar, o negro retorcido das encostas vulcânicas, o amplo côncavo das caldeiras, enfim, a tremenda complexidade do céu açoriano, feito de várias camadas de nuvens que se entreabrem de quando em vez para o azul.

Este é o caminho para uma nova antropologia dos Açores.


Daniel Seabra Lopes




Colaboradores:

Capa: Daniel Seabra Lopes
Arquitectura e Artes Plásticas, Gatafunhos: Tomás Melo
Cinema e Teatro: Miguel Machete
Literatura: João Carlos Fraga
Ciência: Inês Martins e PNF
Lacunas: Cristina Lourido e Mário Moniz







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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Concurso "Fazes?"



1. O Fazendo está a promover um concurso para os alunos da Escola Secundária Manuel de Arriaga.

2. Podem participar no concurso todos os alunos dessa escola, independentemente da idade ou ano que frequentem.

3. Objectivo: encontrar a melhor capa para o Jornal, feita por um aluno.

4. Cada concorrente poderá apresentar um máximo de dois trabalhos.

5. Os trabalhos a apresentar devem cumprir as seguintes
normas:

Tema: livre
Técnica: livre (ilustração, fotografia, pintura, desenho, arte digital, colagem, etc)
Dimensões: tamanho único aceite: 21 x 30 cm. No caso de trabalhos em formato digital, para além das dimensões estipuladas o ficheiro deve apresentar uma resolução de 300 dpi.
Cor: são aceites trabalhos a preto e branco e a cores.

6. A data limite de entrega dos trabalhos é dia 15 de Junho.

7. Como entregar: Os trabalhos que não estejam num suporte digital devem ser entregues na reprografia da Escola. As ilustrações em formato digital devem ser enviados para o endereço electrónico do Jornal (vai.se.fazendo@gmail.com)

8. Prémios:

1º Prémio:
Publicação da Capa Vencedora
Prémio monetário ZON: 100 eur
Vale de Compras Telégrapho: 50 eur
Desconto 25% em carta de condução (carro ou mota) na Escola de Condução Atlântida

2º Prémio
Vale de Compras Telégrapho: 50 eur
Mochila Hurley, na Tabu

3º Prémio
Vale de Compras Telégrapho: 20eur
Acessório de Moda na Kosmos

9. A decisão do júri será mantida em segredo até à saída do Jornal que publicará as obras dos premiados, assim anunciando os vencedores do concurso.

10. Direitos de publicação. As obras premiadas ficarão na posse da Associação Cultural Fazendo. Ao concorrer, todos os autores estão a autorizar a Associação Cultural Fazendo a reproduzir as suas obras e a utilizá-las em publicações ou eventos futuros.

11. Devolução dos trabalhos não premiados. Os trabalhos não premiados podem ser recolhidos pelos autores na reprografia da escola, a partir de uma semana após a divulgação dos premiados. Esta cláusula não se aplica a trabalhos entregues em formato digital.

12. O júri terá a seguinte composição:
a) Um representante da Direcção do Jornal Fazendo
b) Um colaborador da Página de Artes Plásticas do Jornal Fazendo
c) Um representante do Conselho Executivo da ESMA
d) Um professor do Departamento de Artes da ESMA

13. O júri, para além dos prémios atribuídos aos trabalhos que considerar de maior qualidade poderá atribuir menções honrosas que, no entanto não vincularão o jornal à respectiva publicação.

14.O júri pode deliberar não atribuir qualquer dos prémios no caso de falta de qualidade das obras em concurso.

15. Os casos omissos ou divergências na interpretação do presente regulamento serão solucionadas pelo júri.

16. Das decisões do Júri não haverá recurso.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Edição nº61





Crónica
Associação Megafone 5
Quando, em Janeiro de 2009, João Aguardela faleceu, não deixou exactamente uma obra, mas várias. Deixou todas as que se conhecem, sendo as mais visíveis e audíveis as que resultam da vida dos Sitiados, Megafone e A Naifa, mas deixou uma outra que raramente acorre à lembrança até dos mais atentos: a que não chegou a ser feita.

Por isso se juntaram diversas pessoas sob a designação Megafone 5. O projecto musical Megafone, com João Aguardela a solo a vestir músicas portuguesas oriundas de recolhas etnográficas com roupas electrónicas modernas, mais de sábado à noite do que domingueiras, deixou quatro álbuns gravados. O nosso trabalho seria o quinto disco simbólico, passe a imodéstia da ambição.

A Associação Megafone 5, não negando naturalmente a presença no seu código genético de uma vocação para a homenagem, nasce também do desejo de adivinhar o futuro. Nasce, entre amigos de João Aguardela e admiradores da forma como encarava e manuseava a música de raiz portuguesa, da recusa em aceitar que um legado é como uma pomposa condecoração que se pendura na parede para acumular anos e pó.

Não foi preciso muito para que, escassos dias depois de João Aguardela ter partido para a sua última digressão, rumo ao céu ou o que estiver lá desse lado, várias pessoas terem informalmente começado a partilhar a ideia de que havia ainda muito a fazer. Havia que celebrar, homenagear e divulgar mais de 20 anos de trabalho do rapaz João Miguel Antunes Aguardela. Mas havia, sobretudo, que fazer algo para que esta música portuguesa que o movia continuasse a escrever-se e aventurar-se e recriar-se (em ambos os sentidos).

Presente, na génese da associação, esteve sempre a vontade de encarar o futuro. E, para fazê--lo, nada melhor que resolver o passado com uma celebração em grande, em festa, com amigos, admiradores, camaradas de ofício, melómanos anónimos, tudo quanto coubesse no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Foi o que aconteceu a 4 de Novembro de 2009, com actuações ao vivo dos Gaiteiros de Lisboa, Ó’Questrada, Dead Combo e A Naifa. E o que aí aconteceu foi também o nascimento público de uma empreitada maior e mais ambiciosa - os Prémios Megafone. Bem como o site www.aguardela.com, com tudo o que às actividades da associação diz respeito, mais a obra completa do Megafone para gozo popular gratuito e sem pecado.

Os Prémios Megafone foram, desde o embrião da ideia, encarados com os olhos com que João Aguardela via a música dita tradicional. São prémios que visam estimular a transformação, a mudança, a passagem de testemunho entre pessoas e gerações, o encontro do passado com as crescentes possibilidades do presente e do futuro, a nova música dita tradicional. Música Para Uma Nova Tradição, como se lê na assinatura da própria associação. E são, também como tanta dessa música, colaborativos, quase cooperativos, sem meios mais grandiosos do que a disponibilidade e a generosidade de um sem número de pessoas que acreditam na transmissão e na partilha.

Dividida entre Prémio Megafone Música e Prémio Megafone Missão, o primeiro para reconhecer e estimular quem faz nova música, o segundo para fazer o mesmo a quem potencia e acrescenta valor à nova música que se faz, os Prémios Megafone foram desenvolvidos em menos de um ano, chegando ao palco do Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém a 17 de Outubro de 2010. Aí foram anunciados, como finalistas do Prémio Megafone Música, os Galandum Galundaina, o Experimentar Na M’Incomoda e os Bandarra. Do lado do Prémio Megafone Missão, o realizador Tiago Pereira, o festival Bons Sons e a associação cultural D’Orfeu.

A primeira edição dos Prémios Megafone, a que o mágico projecto Foge Foge Bandido, de Manuel Cruz (ex-Ornatos Violeta), se associou com uma das suas raras apresentações ao vivo, coroou os Galandum Galundaina e Tiago Pereira. Os primeiros porque fazem viver tudo o que é mirandês para lá do seu espaço e do seu tempo. O segundo, porque coloca em imagens com personalidade única os sons desta espécie de rectângulo chamado Portugal (já depois de vencer o Prémio Megafone Missão, Tiago Pereira criou o projecto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, profícua recolha em video e divulgação online de músicos e colectivos que dão presente e futuro à música tradicional).

Apesar de dependente de todas as vidas de todas as pessoas que a integram e que para ela contribuem com graus raros de desinteressada entrega, a Associação Megafone 5 mantém intacto o propósito com que viu a luz pela primeira vez. E é por isso que, anuncie-se agora, os Prémios Megafone regressam em 2012, para distinguir e estimular quem partilha a visão de João Aguardela e a partir dela constrói peças que intervêm nas nossas vidas.

Por outras palavras, arte.

Pedro Gonçalves - Associação Megafone 5


Colaboradores:

Capa: Ana Nobre
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia
Ciência: PNF
Gatafunhos: Tomás Melo


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terça-feira, 17 de maio de 2011

Edição nº 60



Crónica
A adesão aos princípios que assumem a necessidade e responsabilidade de contribuir para uma resposta colectiva às necessidades das pessoas é uma prática que, em teoria, poucos admitem não acolher ou respeitar. Mas, da teoria à prática “vai um tiro de canhão”.

A forma como o tema “Estado social” é tratado no nosso país, traz consigo uma carga avassaladora de cinismo. Uns juram pela sua mãezinha que é a sua profissão de fé, enquanto, na prática, o vão destruindo. Outros não são contra, mas quanto menos melhor. É a velha máxima da diferença entre “dar na cabeça” ou “na cabeça dar”. Em boa verdade, o conceito de Estado social, ou providência, é a negação da forma organizativa duma sociedade liberal. Defender o Estado social com políticas liberais é “querer estar bem com Deus e com o Diabo”.

O Estado social assenta em princípios que dão uma resposta colectiva às necessidades de cada uma das pessoas. O sistema liberal professa o individualismo em detrimento da solidariedade. O Estado social tem todo o seu enfoque nas pessoas, no seu direito à saúde, à educação, ao trabalho. O sistema liberal alimenta--se do economicismo, na acumulação do capital, na diferença pelo poder do dinheiro.

O conceito europeu de olhar para os que nada têm como uma obrigação do Estado e não apenas como uma mão caridosa estendida pelas organizações bem-intencionadas da sociedade civil pressupõe um aparelho de Estado bem organizado e uma economia saudável. Nos tempos que correm, nenhuma destas premissas é válida, não só em Portugal, mas na generalidade dos países europeus.

Surge então a necessidade de mudança. E, novamente, todos falam do mesmo, mas sem explicar bem o que querem mudar. Aplica-se, então a célebre frase: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.

Porém, o que permanece igual é o caminho trilhado no sentido da progressiva destruição do Estado social, e o que muda é o aumento das restrições e dos cortes orçamentais na saúde, no ensino e na protecção social.

Todo um princípio económico básico, essencial à existência do Estado social está pervertido. O sistema financeiro deverá ser um meio de apoio ao bom funcionamento da economia, para que esta possa estar ao serviço do bem-estar das pessoas. O sistema liberal “espreme” as pessoas para que a economia esteja ao serviço da especulação financeira.

Os teóricos liberais defendem a todo o custo o crescimento económico (leia- -se: concentração do poder económico). Baseiam-se nas privatizações e não hesitam em recorrer à entrega, a um par de mãos, aquilo que é de todas as pessoas, sem qualquer excepção, incluindo a privatização da saúde, do ensino, e de bens essenciais como a água, para que quem tenha poder financeiro possa pagar e, assim, com as migalhas restantes, providenciar cuidados de saúde mínimos e o ensino indispensável aos pobrezinhos (“vamos brincar à caridadezinha”). Defendem que saúde e ensino para todos é uma utopia. “O Estado não tem receitas que possam suportar essas despesas!”. Esquecem que melhor para alguns e pior para outros é discriminação e que a opulência, desses alguns, é a carência destes outros.

É uma falsa questão a falta de recursos do Estado para garantir a diminuição das disparidades sociais causadas pela sociedade capitalista. É, sim, uma questão de prioridades e de diversificação das receitas. O Estado não pode ser alimentado exclusivamente pela contribuição dos rendimentos de trabalho. Será aceitável a existência de fortunas acumuladas através de mais-valias imobiliárias e transacções bolsistas que não são tocadas pelo fisco? Tudo - o presente e o futuro do Estado social - é uma opção política.

Com uma forte tributação sobre os dividendos não reinvestidos, distribuídos aos accionistas do sistema financeiro, e não “esquecendo” os paraísos fiscais, para onde “voam” milhões de euros, podem arrecadar- -se recursos que, aliados à erradicação dos gastos despropositados e sem controlo, dotam o Estado dos recursos necessários.

É criminoso para o Estado social que, a par da subordinação ao sistema financeiro, se gaste tantos milhões com a compra de dois submarinos, considerados “um luxo supérfluo” pelos “patrões” da NATO.
Há uma grande ameaça sobre o Estado social, que é incentivada pelos privados. Inculca-se na Opinião Pública a ideia de que os serviços privados de Saúde são mais eficientes e, em simultâneo, desinveste-se no sector público. Caminhamos para o sistema que desvaloriza os cuidados de Saúde básicos aos cidadãos com menos recursos, sistema que outros países começam, finalmente, a dar a ideia de querer abandonar. Queremos retomar o que outros abandonam?

Estamos a um passo de já não se poder considerar o que existe como Estado social, e, por isso, é urgente que se mudem as prioridades, porque o fim do Estado social europeu, como quer a actual chanceler alemã, Angela Merkel, seria o colapso da União Europeia.


Mário Moniz


Colaboradores:

Capa: Eugénia Rufino
Arquitectura e Artes Plásticas: Paulo Gabriel
Cinema e Teatro: Tiago Vouga e Victor Rui Dores
Literatura: Eduíno de Jesus
Ciência: PNF e Sílvia Lino
Gatafunhos: Tomás Melo


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