sábado, 24 de dezembro de 2011

Edição nº70




Crónica
Considerações Equilibristas


“Todo o poder provém de uma disciplina e corrompe-se a partir do momento que se descuram os constrangimentos." Roger Caillois



Sempre admirei aquelas pessoas com a capacidade de se envolverem de corpo, alma e cronologia numa determinada e delimitada actividade ou filão.
As perspectivas, abordagens, teorias, teses e técnicas de válido interesse para muitos e diferentes fazeres e pensares (por vezes completamente antagónicos) são tantas, que escolher uma mais me parece acto de fé que de lógica.
Assim, e como homem de muito superficiais conhecimentos sobre a teoria quântica, comecei a achar que é mais fácil singrar numa carreira ou filosofia do que escolhê-la.
No que a política diz respeito, e para efeitos de análise superficial, vou polarizar o conjunto de escolhas possíveis em duas grandes tendências, cujas caracterizações devem ser tomadas como extremos no limiar da caricatura. São elas: 1) a dos que acreditam piamente que não passamos de animais evoluídos (ou super-animais) e que, mais ou menos mascarado, todo o acto é levado a cabo por instinto e 2) a dos que acreditam que somos seres de lógica e que, apesar de ancorados na nossa natureza animal podemos ultrapassar essas barreiras através da razão.
A título de pura representação, e porque em matéria de análise se deve dar nome às coisas, vou chamar-lhes capitalistas e comunistas.
Aos capitalistas vou-os ligar mais ao lado egoísta da natureza do
homem e apreciar-lhes a franqueza desarmante com que o admitem. Aos comunistas enalteço-lhes muito a intenção altruísta, apesar de amiúde dada a contradições e incoerências. Curiosamenteosprimeiros,defensores de um sistema mais pragmático e darwinista de organização social e económica, são normalmente homens de fé dados a acreditar nos desígnios de Deus, enquanto os segundos, defensores de um sistema idealista, são homens de lógica que preferem medir o destino em escala antropométrica.
O conservadorismo e o progressismo estão presentes em ambos os grupos, se bem que aplicados de forma diferente. Os capitalistas promovem
um progressismo técnológico e ao serviço da economia liberal, ao dispor de qualquer pessoa, ao passo que os comunistas apoiam o progresso ideológico e ao serviço da filosofia, ao dispordequalquercolectivodepessoas. Uns defendem um conservadorismo assentenastradiçõesculturaiseligado a valores de Deus, Pátria e Família (em ordem crescente de valor dos valores) e os outros o são mais prudentes no que diz respeito a novas conquistas da técnica, assentando os seus valores em Marx, Estado e Camaradas (ordem decrescente de valor dos valores).
O capitalista defende a competição como motor do progresso e caminho paraarealizaçãodopotencialhumano. Aqui são a necessidade e o impulso individual a alicerçar o desenvolvimento civilizacional. O comunista defende que todas as condições básicas de vida devem estar asseguradas a priori e que a homogeneidade social deve estar na base do sucesso de uma civilização. Os primeiros preferem esquecer que a organização colectiva e a cooperação são (e foram na nossa espécie) factores evolutivos essenciais, e os segundos optam por uma obliteração cega do instinto individual, na base de muitas das conquistas que pauteiam a nossa civilização.
Ambos os sistemas se fundam numa fé benevolente (e preguiçosa) em instituições dos homens - uns no mercado e os outros no estado - e como é sabido o homem tem imperfeições. Os comunistas não comem criancinhas, apesar de as quererem cozinhar, os capitalistas não são selvagens, apesar de não se importarem de comer criancinhas. Para que qualquer ideologia funcione na prática a cidadania não pode ser só um cartaz avenida abaixo quando as coisas correm mal - tem de estar lá sempre, atenta. Abdicar preguiçosamente do nosso dever enquanto cidadãos na esperança que outro o faça desinteressadamente é estúpido, e a estupidez, e a preguiça, pagam-se. Conhecimento não é um fim, é uma arma, e questionar é um acto de disparo, e até o papão tem medo do barulho das pistolas.



Pedro Lucas

Colaboradores:
Capa: Isabel Melo
Literatura: António de Vargem Perdigão
Teatro: Nelson Cabral
Fotografia: Cristina Lourido, Lara Topa
Intervenção: Cristina Lourido, Pedro Namorado, Grupo de EcoArteIn(ter)venção da Horta, Lia Goulart
Música: Victor Rui Dores, Guilhermina Machado
Ciência e Ambiente: Nuno Rodrigues - PNF

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